São Paulo, sábado, 08 de agosto de 2009

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Crítica/"A Imprensa e o Dever da Liberdade"

Ex-dirigente da Radiobrás debate ética na relação entre mídia e poder

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma das boas definições para jornalismo é aquela que o descreve como uma atividade que procura jogar luz sobre fatos, buscar a verdade factual.
Essa verdade, porém, não é tão simples quanto possa parecer. Ela não existe em algum lugar, à espera de um iluminado que venha desvendá-la, mas adquire existência no próprio relato jornalístico. É, portanto, uma construção social.
E é bom que assim seja. Em "A Imprensa e o Dever da Liberdade", Eugênio Bucci nota que é esse processo que desautoriza mentiras e falsificações.
A independência, do veículo e do jornalista, é o pré-requisito; a liberdade é o resultado.
Bucci defende a liberdade como o primeiro entre todos os deveres do jornalismo, mais importante até do que o apartidarismo. "Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito", resume.
O autor tem toda a autoridade para tratar do assunto. Não apenas porque tem dado contribuição acadêmica relevante ao debate sobre a ética na imprensa, mas sobretudo por ter oxigenado a Radiobrás no período em que presidiu a instituição, entre 2003 e 2007.
O livro promete polêmica. Bucci considera um "disparate demagógico" que intelectuais acreditem que possa haver imprensa livre comandada por funcionários do governo. "O governo, quando se associa à imprensa, tende a sequestrar-lhe a alma."
Também adverte para o relacionamento entre jornalistas e ONGs (Organizações Não Governamentais), "que hoje se articulam em redes capazes de cooptar e instrumentalizar parte da cobertura". Alguns, diz Bucci, chamam de responsabilidade social o engajamento do jornalista nas reivindicações dos movimentos populares.
Mas o resultado de tal atitude não é uma imprensa livre, "mas submissa ao discurso desses setores organizados".

Corporativismo
O autor também enfrenta o corporativismo ao criticar o Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas, que "repousa sobre um conflito de interesses", ao tratar ofícios diferentes, o do jornalista e o do assessor de imprensa, como se fossem um só, sem vetar ao profissional a possibilidade de estar, ao mesmo tempo, dos dois lados do balcão.
O problema é que eles têm clientes diferentes: o do assessor é a empresa que o contrata, o do jornalista é o cidadão. Seria necessário, portanto, defende Bucci, que se submetessem a códigos de ética específicos.
A separação dos ofícios, em geral criticada apenas da perspectiva corporativa, decorre da percepção, não abordada no livro, de que o jornalismo, como a diplomacia, é mais uma carreira do que uma profissão.
A ameaça do governo, a sedução das ONGs, a confusão da Fenaj, tudo são pedras no caminho da liberdade de imprensa. Como evitá-las? Basta ao jornalista não responder a outros senhores por baixo do pano, diz Bucci, "estejam esses senhores escondidos numa conta bancária ou em sua consciência".
Interessados em imprensa, jornalistas e leitores, têm o dever (prazeroso) de ler Bucci.


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" e "A Aventura do Dinheiro", entre outros livros.

A IMPRENSA E O DEVER DA LIBERDADE
Autor: Eugênio Bucci
Editora: Contexto
Quanto: R$ 27 (144 págs.)
Avaliação: ótimo

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