|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"A Imprensa e o Dever da Liberdade"
Ex-dirigente da Radiobrás debate ética na relação entre mídia e poder
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma das boas definições
para jornalismo é
aquela que o descreve
como uma atividade que procura jogar luz sobre fatos, buscar a
verdade factual.
Essa verdade, porém, não é
tão simples quanto possa parecer. Ela não existe em algum lugar, à espera de um iluminado
que venha desvendá-la, mas adquire existência no próprio relato jornalístico. É, portanto,
uma construção social.
E é bom que assim seja. Em
"A Imprensa e o Dever da Liberdade", Eugênio Bucci nota
que é esse processo que desautoriza mentiras e falsificações.
A independência, do veículo e
do jornalista, é o pré-requisito;
a liberdade é o resultado.
Bucci defende a liberdade como o primeiro entre todos os
deveres do jornalismo, mais
importante até do que o apartidarismo. "Para o jornalista,
exercer a liberdade é um dever
porque, para o cidadão, ela é
um direito", resume.
O autor tem toda a autoridade para tratar do assunto. Não
apenas porque tem dado contribuição acadêmica relevante
ao debate sobre a ética na imprensa, mas sobretudo por ter
oxigenado a Radiobrás no período em que presidiu a instituição, entre 2003 e 2007.
O livro promete polêmica.
Bucci considera um "disparate
demagógico" que intelectuais
acreditem que possa haver imprensa livre comandada por
funcionários do governo. "O
governo, quando se associa à
imprensa, tende a sequestrar-lhe a alma."
Também adverte para o relacionamento entre jornalistas e
ONGs (Organizações Não Governamentais), "que hoje se articulam em redes capazes de
cooptar e instrumentalizar
parte da cobertura". Alguns, diz
Bucci, chamam de responsabilidade social o engajamento do
jornalista nas reivindicações
dos movimentos populares.
Mas o resultado de tal atitude
não é uma imprensa livre, "mas
submissa ao discurso desses setores organizados".
Corporativismo
O autor também enfrenta o
corporativismo ao criticar o
Código de Ética da Federação
Nacional dos Jornalistas, que
"repousa sobre um conflito de
interesses", ao tratar ofícios diferentes, o do jornalista e o do
assessor de imprensa, como se
fossem um só, sem vetar ao
profissional a possibilidade de
estar, ao mesmo tempo, dos
dois lados do balcão.
O problema é que eles têm
clientes diferentes: o do assessor é a empresa que o contrata,
o do jornalista é o cidadão. Seria necessário, portanto, defende Bucci, que se submetessem a
códigos de ética específicos.
A separação dos ofícios, em
geral criticada apenas da perspectiva corporativa, decorre da
percepção, não abordada no livro, de que o jornalismo, como
a diplomacia, é mais uma carreira do que uma profissão.
A ameaça do governo, a sedução das ONGs, a confusão da
Fenaj, tudo são pedras no caminho da liberdade de imprensa.
Como evitá-las? Basta ao jornalista não responder a outros senhores por baixo do pano, diz
Bucci, "estejam esses senhores
escondidos numa conta bancária ou em sua consciência".
Interessados em imprensa,
jornalistas e leitores, têm o dever (prazeroso) de ler Bucci.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
História do Brasil no Século 20" e "A Aventura
do Dinheiro", entre outros livros.
A IMPRENSA E O DEVER DA
LIBERDADE
Autor: Eugênio Bucci
Editora: Contexto
Quanto: R$ 27 (144 págs.)
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Crítica/DVD/Série: "Capitu" traduz para TV modo de narrar de Machado de Assis Índice
|