São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005

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CRÍTICA

Obra de Naum Alves de Souza cabe no mundo sem se acanhar

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O volume impressiona. As quase 1.500 páginas em papel bíblia, com capa elegante, apresentam as 14 peças de Naum Alves de Souza para todos os leitores da língua portuguesa. Completa-se com uma cuidadosa apresentação de Alberto Guzik, que apresenta sua trajetória desde o início quando o grupo Pod Minoga dava os primeiros passos num teatro improvisado em sua própria casa, e uma auto-avaliação do dramaturgo sem auto-indulgência nem falsa modéstia.
Chega a acanhar. Estaria o teatro brasileiro tão abandonado que dependa de uma editora portuguesa, a Cena Lusófana, para ter seu mérito reconhecido? Mas o mal-estar logo passa: a importância da obra de Naum é de caber no mundo sem se acanhar com sua aldeia.
O universo de Naum se equilibra entre a ironia agressiva de Fellini e a terna amargura de Tenessee Williams. Partindo sempre das mesmas feridas autobiográficas (como costuma acontecer com os grandes dramaturgos), seu imenso dom para o diálogo, que combina o trivial com o poético, arrasta imediatamente quem o ouve para o olho do furacão, no qual adultos-crianças cruéis expõem sua vida solitária com agilidade cinematográfica.

Visão dos ciclos
O volume abre com um Ciclo Memorialista constituído pela consagrada trilogia "No Natal a Gente Vem te Buscar", "A Aurora da Minha Vida" e "Um Beijo, um Abraço, um Aperto de Mão" (em suas duas versões: a masculina e paulista, escrita para J.C. Violla, e a feminina e carioca, para Marieta Severo). Tendo sempre o cuidado de apresentar antes de cada texto a ficha técnica completa da encenação inaugural, no Brasil e em Portugal. Naum não deixa nunca de agir enquanto dramaturgo encenador, ou seja, aquele que vê seu texto antes de tudo como matéria-prima para a encenação, nunca deixando de advertir os atores contra os perigos do riso fácil, em preciosas e precisas indicações para a construção dos personagens.
O ciclo se completa com peças inéditas ("Aquele Ano das Marmitas" e "Ilmo. Sr."), o que tem o mérito de desfazer a impressão que o melhor já foi escrito. É sucedido pelo Ciclo Urbano, de peças menos autobiográficas. Peças de menor prestígio crítico também, com exceção de "Suburbano Coração", com Fernanda Montenegro e músicas de Chico Buarque, e "Nijinsky", bem-sucedido teatro-dança para o eterno parceiro Violla. Ao lado dessas, peças como "Auto de Natal" e "Strippers" ganham com a releitura.

Um recomeço
Embalado com o cuidado devido, o volume faz com que o caminho que Naum fez ao caminhar pareça uma estrada reta e coerente: "Medalhas, flores e prêmios para os que chegam à reta final", como diz o Diretor de "Aurora...". Virou monumento o seu tatear? Esgota-se na consagração? Não: assim aberto para a cena lusófona, o que se vê aqui é um recomeço. Vivo para a arte, mais vivo do que nunca, ninguém fecha o pano de Naum Alves de Souza.


Teatro
    


Autor: Naum Alves de Souza
Editora: Cena Lusófona
Quanto: R$ 91,39 (1.485 págs.)
Lançamento: hoje, às 19h, na Livraria Cultura do shopping Villa-Lobos (av. Nações Unidas, 4.777, SP)



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