São Paulo, sexta-feira, 08 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

THIAGO NEY

Vacas sagradas

Estamos num país que cultua e bajula medalhões; e estão querendo colocar Bob Dylan no meio desses incriticáveis

Bob Dylan provoca reações estranhas em seus fãs. Em 1965, no festival de Newport, foi vaiado e saiu do palco após poucas canções. No ano seguinte, em Manchester, ao ousar tocar com uma guitarra elétrica em vez do violão, foi chamado de Judas por alguém da platéia.
Se antes Dylan era atacado injustamente, hoje tornou-se inatingível. Nos últimos dias, choveram no meu e-mail mensagens indignadas com o teor da coluna de sexta passada. O título, "Quem precisa de Bob Dylan?", enfureceu muita gente. Muitos enviaram textos com o retruque "Quem precisa de Thiago Ney?". Alguns foram mais longe: "Sua irmã precisa do Bob Dylan" -o que me deixaria um bocado preocupado se eu tivesse uma irmã.
Vários argumentaram citando a trajetória de Dylan, enumerando seus discos históricos, relembrando, como comparação, a fervorosa recepção dos jornais brasileiros ao álbum de Chico Buarque. E outros usaram adjetivos como "deslumbrado" por eu ter elogiado bandas novas, jovens, como Automatic e Be Your Own Pet.
Poucos, uma minoria, escreveram para dizer que concordavam com a sensação de que era um exagero a quantidade de páginas dedicadas por jornais como os ingleses "Guardian" e "Independent" ao último CD de Bob Dylan, "Modern Times".
E olha que nem falei mal de Dylan. Apenas não entendi tamanho festejo em cima de um álbum que não é irrepreensível como, digamos, "Bringing it All Back Home", "Highway 61 Revisited" e "Blonde on Blonde" -para ficar apenas na trilogia dos anos 60. Mas não importa. Porque, no Brasil, Dylan tornou-se intocável e incriticável. Compreensível. Estamos num país que cultua vacas sagradas.
Bandas novas colhem lá fora os elogios que não recebem por aqui.
Enquanto isso, "Carioca", medíocre, que não está nem entre os 15 melhores discos de Chico Buarque, coloca o seu autor em páginas e mais páginas e mais páginas. "Cê", apenas melhorzinho que os chatos anteriores, rende a Caetano Veloso a atenção que ele tanto procura. Porque, no Brasil, não se critica Caetano Veloso, não se critica Chico Buarque, não se critica Marisa Monte e tantas outras vacas sagradas. E estão colocando Bob Dylan nessa.


thiago@folhasp.com.br

Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Rock/crítica: Com "Empire", Kasabian amplia e melhora referências
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.