São Paulo, terça-feira, 08 de setembro de 2009

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Samba mulherão

Seguidora de Alcione, a estreante Dhi Ribeiro expõe voz feminina do samba e mostra afinidades com "cachorras" do funk

Sergio Lima/Folha Imagem
Carioca criada em Salvador e radicada em Brasília, Dhi Ribeiro
acaba de lançar "Manual da Mulher", seu álbum de estreia


MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A mulher em primeira pessoa. Não umazinha qualquer, mas a do tipo dominadora, que dita as regras que "seu homem" terá de seguir à risca se quiser continuar ali, desfrutando da felicidade de sua companhia. E que, em contrapartida, não tem o menor pudor em dividir com o mundo, letra por letra, todo o bem que ele faz por ela -principalmente na cama.
Esses traços de personalidade não são muito diferentes dos que têm servido, nos últimos 20 anos, para descrever as devoradoras vozes femininas do funk carioca. Mas a moça aqui é outra. Um pouco mais recatada, fica no meio do caminho entre a "cachorra" funkeira e a fêmea de Chico Buarque.
Nascida em Nilópolis (RJ), criada em Salvador e radicada em Brasília, Dhi Ribeiro, 43, é o mais novo exemplar dessa espécie tão rara fora do universo do pancadão. Ela acaba de lançar "Manual da Mulher", seu álbum de estreia. Faz samba e tem Alcione como matriz.
Talvez venha daí a abismal diferença entre ela e suas colegas de geração -Roberta Sá, Mariana Aydar ou Céu, por exemplo. Cantoras nascidas em famílias endinheiradas, bebem invariavelmente em fontes masculinas - e "cultas"- do samba: Paulinho da Viola, Cartola, Nelson Cavaquinho etc.
"Tento cantar minha história de vida", diz Dhi. "O samba está se elitizando muito, virando música de universitário -como foi a bossa nova. Quando era menina eu ouvia Agepê e amava. Por que agora a gente só pode ouvir Noel Rosa?"
"Esse filé maravilhoso que é meu bofe/ Quando me toca, a minha alma quase voa/ Meu menestrel diz que me ama em cada estrofe/ Quer sempre bis, me quer feliz, com a pele boa." Alguém imaginaria alguma das discípulas de Marisa Monte cantando versos como estes?
Eles foram escritos por um homem, Paulinho Resende, 59 -o mesmo que vem abastecendo Alcione com material parecido desde pelo menos "Menino Sem Juízo", de 1979, e que já criou para ela verdadeiros clássicos do "samba mulherão", como "A Loba" e "Meu Ébano".
O compositor ressalta o teor político que pode haver embaixo deles. "É uma espécie de um escudo, de autodefesa feminina", diz. "Apesar de estarmos em 2010, a mulher ainda é muito agredida -física e psicologicamente. Quando canta essas coisas, está revidando a isso."
Não por acaso, também é dele a letra de "Eu Não Domino essa Paixão", samba que abre "Acesa", o novo álbum de Alcione. Entre o samba e o tango, termina com os quase submissos versos: "Ele me confessou: depois de um botequim, de um chope, um futebol, um samba, enfim.../ Que o seu maior prazer é voltar pra mim". Como assim? O mulherão está manso?
"Não. É uma submissão consentida", rebate Alcione. "Tenho que cantar para mulheres como eu as coisas que elas dizem para seus homens -ou, pelo menos, as coisas que gostariam de dizer. Ninguém teria coragem de cantar essas coisas há 30 anos." Nem têm hoje, ao menos em terreno sambista.
Quando foi entrevistada para essa reportagem, Alcione ainda não conhecia o trabalho de Dhi -sua primeira e, até agora, única discípula. Mas não se mostrou espantada com o fato de finalmente ter se tornado influência para a nova geração.
Por que tanta demora para que isso acontecesse? "Essas meninas [as cantoras] são muito novas", disse. "Com o tempo vão se atrevendo a impor nossa vontade. Dizer que nós também temos querer, temos nossa maneira própria de amar. Sabe aquela frase que diz que é preciso endurecer, mas sem perder a ternura? É isso aí."


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