Jovem músico Vitor Garbelotto apresenta em disco a integral solo do vanguardista compositor gaúcho

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

O compositor gaúcho Radamés Gnattali (1906-88) viveu sufocado entre o nacionalismo programático e o experimentalismo vanguardista. Era popular demais para os eruditos, americanizado para a MPB e indigno de estudos acadêmicos. As duas últimas décadas, porém, deslocaram o mundo em sua direção, como se o cenário musical se tornasse aos poucos "gnattaliano".
Veja-se o exemplo da obra completa para violão solo (1950-85), que acaba de receber gravação integral do jovem Vitor Garbelotto. Publicações recentes passaram a destacar a importância de "Brasiliana n. 13", "Tocata em Ritmo de Samba n. 1 e 2", "Dança Brasileira", "Dez Estudos" e "Pequena Suíte". As peças ganharam os palcos internacionais e hoje finalmente chamam a atenção da academia.
"Dança Brasileira" (1958), sua segunda composição -a primeira havia sido a "Tocata n. 1" (1950)- atinge o auge do idiomatismo: a transição para a volta do tema principal é um achado artesanal, um ponto alto da escrita do violão brasileiro.
As obras da década de 1980 -"Tocata n. 2" (1981), "Brasiliana" (1983) e "Pequena Suíte" (1985)- desdobram a junção perfeita entre harmonia e ritmo que caracteriza o compositor.

VILLA-LOBOS
Entre a fase inicial e a final estão os "Estudos", criação de 1967 que, do ponto de vista técnico, ajudam a preparar dedos e mentes para os mais virtuosísticos "Estudos" de Villa-Lobos, escritos quase quarenta anos antes: do "gershwiniano" n. 9 à contenção formal do n. 4; da afinação de viola caipira do n. 5 à homenagem a Garoto no n. 10, trata-se de um ciclo inspirado e bem realizado.
Vitor Garbelotto toca Radamés com invejável suingue e sem deixar de cuidar da qualidade sonora. A abordagem que faz é direta, com acordes claros e frases arrojadas e é possível perceber influências de Ulisses Rocha e Paulo Martelli, dois de seus professores.
Um disco como esse tem tudo para se tornar referência e, por isso mesmo, o encarte poderia ter sido melhor elaborado, já que não seria difícil juntar o ótimo depoimento de Hermínio Bello de Carvalho com informações sobre a procedência e a importância do repertório.