São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2006

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Pulgas, baleias, humanos

Museu faz exposição sobre animais que jogam no mesmo time; homossexualidade faz parte da natureza

ESTAMOS SEMPRE a aprender.
Pergunta: será possível encontrar duas lesmas de bigode e cabedal que, ao som de Barbra Streisand, se beijam apaixonadamente no topo de uma maçã?
Sem dúvida, diz o Museu de História Natural de Oslo, na Noruega, que resolveu inaugurar uma exposição sobre animais que jogam no mesmo time. De acordo com os organizadores da mostra, a homossexualidade está em toda a parte.
Entre os homens e, claro, entre os bichos. Não que eu duvidasse, entendam: afinal de contas, eu faço parte da geração Calimero.
Mas saber, com provas científicas inabaláveis, que da mais insignificante pulga à mais poderosa baleia ninguém escapa ao amor que não ousa dizer seu nome, eis um fato que coloca tudo sob uma nova perspectiva. Esse, pelo menos, é o objetivo dos organizadores.
A idéia, segundo leio, não é mostrar o fato. É mostrar a beleza do fato e, mais, sua evidente implicação para a vida social e humana.
A fauna gay, dizem, é fiel ao seu parceiro. Incomparavelmente mais fiel do que a fauna hetero, que gosta de pular de cama em cama -ou, para sermos absolutamente rigorosos, pular de toca em toca, de cerca em cerca, de ninho em ninho, sempre em busca de novas aventuras com o periquito do vizinho. São 1.500 espécies em animado bacanal.
E, por falar em vizinhos, o museu da Noruega diz mais: diz que a homofobia não existe entre o reino animal.
Se um galo se apaixona por outro, a mãe-galinha não mete a pata. E não comete a suprema injustiça de confundir o filho com um veado. É até possível que, no interior da capoeira, todos se juntem à felicidade dos amantes. De bico calado.
As conclusões são inevitáveis: a homossexualidade não é um crime contra a natureza porque a homossexualidade faz parte da natureza.
E, se assim é, não será altura dos humanos abandonarem velhos medos, velhos tabus, legislando o casamento (e a adoção) para pessoas do mesmo sexo? Pessoas que só fazem o que as pulgas ou as baleias fazem?
Compreendo o paralelo e não estou disposto a combatê-lo, apesar de nunca ter entendido por que motivo os homossexuais desejam casar e ter filhos.
Na minha pessoalíssima (e heterossexual) sapiência, a grande vantagem de ser homossexual está na libertação do casamento e na possibilidade, assaz saudável, de não ter crianças em volta para educar e suportar. Mas será que a vida sexual dos bichos justifica a consagração legal dos humanos?
Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Uma coisa é admitir, como na canção, que até as abelhas o fazem.
Outra, bem diferente, é provar que as abelhas o fazem e, depois do namoro e do pedido formal, uma delas se apresenta de véu e grinalda, disposta a dizer "sim" frente ao altar.
Se o museu da Noruega deseja abater a última barreira, eu só conheço um caminho: o caminho da colméia.
E então voltar para mostrar. Chamem-me antiquado. Mas só o retrato do matrimônio será a chave do debate.


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