São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007

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Crítica/cinema/"Jogo de Cena"

Coutinho questiona o real e a ficção

Em ótimo documentário, diretor embaralha fronteira entre depoimento e atuação; filme tem pré-estréia hoje e entra em cartaz amanhã

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Pelo menos desde "Santo Forte" (1999), Eduardo Coutinho chama sempre de "personagens" os entrevistados de seus documentários. Com isso, o cineasta pretende chamar a atenção para o que existe de ficção na construção que cada indivíduo faz de sua própria imagem, sobretudo quando se expõe ao outro.
O mais interessante, como fica patente em seus filmes, é que essa parcela de "mentira" não só faz parte da verdade de cada um, mas é componente essencial da sua identidade. Somos o que somos e o que imaginamos ou desejaríamos ser.
Pois bem. Em "Jogo de Cena", Coutinho radicaliza e aprofunda essa idéia ao entremear mulheres "comuns" (convocadas por um anúncio de jornal a contar suas vidas diante da câmera) com atrizes que encenam depoimentos filmados.
Produz-se então no espectador uma sucessão de estranhamentos. Primeiro, ele vê um punhado de mulheres desconhecidas, de várias idades e origens sociais, expondo-se cruamente, relatando seus dramas mais íntimos.
Aos poucos vão surgindo rostos conhecidíssimos (Andréa Beltrão, Fernanda Torres, Marília Pêra) repetindo as mesmas histórias, com ligeiras variações de texto e entonação.
Intercaladas a essas encenações e a esses depoimentos "reais", há explicações das atrizes sobre sua relação com as personagens, sobre suas dificuldades de encarnar seus papéis, sobre técnicas de interpretação etc.
Mas aí vem uma outra virada: as atrizes começam a falar, aparentemente, de si próprias, de suas vivências pessoais.
O que haverá de verdade nisso? O que haverá de mentira (deliberada ou inconsciente)? Onde está a fronteira entre o depoimento e a atuação, entre o que se revela e o que se constrói? Mais perturbador ainda é ver que duas mulheres desconhecidas contam exatamente a mesma história de vida. Qual das duas é atriz? Qual das duas fala a verdade? E se ambas forem atrizes?
Essas e outras perguntas instigam o espectador e iluminam ao mesmo tempo a condição humana (em especial a feminina) e a arte da representação. E Coutinho faz o que parecia impossível: um filme ainda melhor que os anteriores.


JOGO DE CENA
Direção:
Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 2007
Com: Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra
Onde: pré-estréia hoje, às 19h, no Cine Bombril. Em cartaz a partir de amanhã no Bombril, no Espaço Unibanco e no iG Cine
Avaliação: ótimo


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