São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2008

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LIVROS

Crítica/"Animais em Extinção"

Mirisola tropeça em novo romance

Cansativo de ler e ingênuo ao tentar chocar o leitor, obra relata as relações sexuais do protagonista com uma menina

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os primeiros romances de Marcelo Mirisola, "Azul do Filho Morto" ou "Bangalô", passavam a impressão de que ele apostava alto demais e não teria cacife para bancar a ousadia, ainda que o escritor já demonstrasse um domínio bem fora do usual dessa arte tão rudimentar de juntar palavras e criar formas e sentidos.
Aí veio "Joana a Contragosto" e ele apresentou soluções inteligentes para evitar o curto-circuito ficcional que suas obras anteriores provocavam.
Bem-estruturado e utilizando com humor e melancolia os jogos de duplicação entre autor e personagem, o romance sugeria um escritor que chegara a esse ponto inefável que alguns chamam, por falta de melhor (ou pior) nome, de maturidade artística.

Sexo
Com "Animais em Extinção", agora lançado, Mirisola parece jogar tudo para o espaço. Nem a ousadia esculhambada, provocativa e triste dos textos iniciais nem a consistência narrativa da produção mais recente: o livro é arrogante, cansativo de ler e sobretudo ingênuo na sua tentativa insistente de chocar o leitor com uma seqüência deprimente de descrições das relações sexuais do protagonista com uma menina de 12 anos.
Se antes havia uma ironia corrosiva que atingia a todos, inclusive o próprio narrador, num exercício cruel de destruição de tudo e autoflagelação, aqui sobra um eu inflado, como se presenciássemos o discurso interminável de um senhor falastrão de meia-idade, repetitivo e condescendente. As lembranças poídas de um universo kitsch e de banalidades dão lugar de vez ao sexo performático e ao acerto de contas com o mundinho literário.
Mirisola não é uma espécie exótica de escritor "em extinção" para ser tratado como um bicho de zoológico que fará falta ao panorama atual da literatura brasileira, como provavelmente muita gente vai pensar ao terminar a leitura desse livro equivocado. Mas que vale a pena torcer para que esse seja apenas um tropeço, um desvio temporário de rota, isso vale.
A certa altura de "Animais em Extinção", o protagonista afirma: "Eu poderia ter dito que arte nada mais é do que algo que se presta a deslocar as coisas, "tomar de assalto", causar movimento e atrito". Quem sabe não esteja aí, de fato, uma boa sugestão.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

ANIMAIS EM EXTINÇÃO
Autor: Marcelo Mirisola
Editora: Record
Quanto: R$ 32 (176 págs.)
Avaliação: ruim



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