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LIVROS
Crítica/"Animais em Extinção"
Mirisola tropeça em novo romance
Cansativo de ler e ingênuo ao tentar chocar o leitor, obra relata as relações sexuais do protagonista com uma menina
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os primeiros romances
de Marcelo Mirisola,
"Azul do Filho Morto"
ou "Bangalô", passavam a impressão de que ele apostava alto
demais e não teria cacife para
bancar a ousadia, ainda que o
escritor já demonstrasse um
domínio bem fora do usual dessa arte tão rudimentar de juntar palavras e criar formas e
sentidos.
Aí veio "Joana a Contragosto" e ele apresentou soluções
inteligentes para evitar o curto-circuito ficcional que suas
obras anteriores provocavam.
Bem-estruturado e utilizando
com humor e melancolia os jogos de duplicação entre autor e
personagem, o romance sugeria um escritor que chegara a
esse ponto inefável que alguns
chamam, por falta de melhor
(ou pior) nome, de maturidade
artística.
Sexo
Com "Animais em Extinção",
agora lançado, Mirisola parece
jogar tudo para o espaço. Nem a
ousadia esculhambada, provocativa e triste dos textos iniciais
nem a consistência narrativa
da produção mais recente: o livro é arrogante, cansativo de
ler e sobretudo ingênuo na sua
tentativa insistente de chocar o
leitor com uma seqüência deprimente de descrições das relações sexuais do protagonista
com uma menina de 12 anos.
Se antes havia uma ironia
corrosiva que atingia a todos,
inclusive o próprio narrador,
num exercício cruel de destruição de tudo e autoflagelação,
aqui sobra um eu inflado, como
se presenciássemos o discurso
interminável de um senhor falastrão de meia-idade, repetitivo e condescendente. As lembranças poídas de um universo
kitsch e de banalidades dão lugar de vez ao sexo performático
e ao acerto de contas com o
mundinho literário.
Mirisola não é uma espécie
exótica de escritor "em extinção" para ser tratado como um
bicho de zoológico que fará falta ao panorama atual da literatura brasileira, como provavelmente muita gente vai pensar
ao terminar a leitura desse livro
equivocado. Mas que vale a pena torcer para que esse seja
apenas um tropeço, um desvio
temporário de rota, isso vale.
A certa altura de "Animais
em Extinção", o protagonista
afirma: "Eu poderia ter dito que
arte nada mais é do que algo
que se presta a deslocar as coisas, "tomar de assalto", causar
movimento e atrito".
Quem sabe não esteja aí, de
fato, uma boa sugestão.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP
ANIMAIS EM EXTINÇÃO
Autor: Marcelo Mirisola
Editora: Record
Quanto: R$ 32 (176 págs.)
Avaliação: ruim
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