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Crítica/show/"Mergulhar na Surpresa"
Maurício Pereira relaciona música pop e MPB no palco
JOÃO BANDEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quem ainda tem dúvida
sobre com quantos
poucos paus se pode
fazer um grande espetáculo de
música precisa de "Mergulhar
na Surpresa", com Maurício
Pereira. O show, propositalmente destituído de maiores
efeitos técnicos, volta a estar
em cartaz em versão de câmara.
E, justamente por isso, ressalta a linguagem de palco aprimorada por esse compositor
raro que é também performer,
capaz de realizar com poucos
meios o que a parafernália de
equipamentos muitas vezes
não consegue fazer por
uma canção.
Cada vez mais à vontade em
seu ofício, Maurício costuma
guarnecer o repertório de suas
canções originais com bônus
tracks, sacando rápido a versão
de um hit fulminante dos anos
60 e 70 ou decantando pacientemente as qualidades insuspeitadas de alguma pérola falsa
do "easy listening" de qualquer
época (mas também pode deixar escapar um "Sorriso de Ironia", lado B de Paulinho da Viola, em leitura renovada).
Abre o jogo, coloca os dados
ali na nossa frente, num documentário conciso de tudo o que
o fantasma da música pop tem a
ver com a ficção MPB.
Aliás, é o que ele vem pondo à
prova desde a época em que era
um dos Mulheres Negras, engrossando o caldo da língua
franca de São Paulo -terra gasta e generosa que deu ou abrigou, para ficar só nessa geração,
compositores-intérpretes como Arnaldo Antunes, Chico
César, Alzira Espíndola ou Edvaldo Santana, entre outros.
São todos encarnações daquele "inventor brasileiro", anti-herói que dá título a uma das
canções de "Mergulhar na Surpresa", motivada por um músico genial de um confim do Brasil, com seu saxofone de bambu
de fabricação própria.
Não é a toa que, no show,
Maurício divide o palco com
um desses inventores: Daniel
Szafran. Utilizando o piano como uma máquina sensorial,
mas fora do exibicionismo de
virtuose, Daniel está sempre
para brincadeira, desde que isso signifique nos conduzir de
exuberâncias herméticas a rarefações jobinianas, conforme
a encomenda.
De quebra, fornece vocais de
apoio que apenas uma garganta
moldada no caos do mais genuíno pop sabe dar.
Tocando juntos há muitos
anos, os dois alcançaram excelência e naturalidade no seu jeito próprio de dizer com timbres
e ritmos o que existe de desmedido e certo.
E, de uma hora para outra,
você pode ficar babão quando
achava que já estava entendendo bem a piada e de repente se
toca de que talvez esteja dando
bobeira demais ao se descobrir
completamente embarcado
numa bela canção, e de tudo isso sai uma alegria meio desconfiada que parece até, mas já não
é só, música.
MERGULHAR NA SURPRESA
Quando: hoje, às 22h30
Onde: Casa de Francisca (r. José
Maria Lisboa, 190, tel. 0/xx/11/
3052-0547)
Quanto: R$ 17
Classificação: não indicado a menores
de 18 anos
Avaliação: ótimo
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