São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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BIA ABRAMO

Crimes e pecados


Nas novelas de Manuel Carlos, as personagens femininas acabam por revelar uma face odiosa

FOI A PRIMEIRA do que provavelmente será uma série. Está aberta a temporada de mulheres agredidas em "Viver a Vida" (Globo, de seg. a sáb., às 21h; 12 anos). Dizem que o autor, Manuel Carlos, entende da alma feminina. Pode até ser, desde que se considere apenas aquela parte da alma feminina capaz de provocar ódio, em homens e mulheres.
Em suas novelas, as personagens femininas acabam por revelar uma face odiosa. Em vez de uma vilã ardilosa, diferentes aspectos da vilania e da maldade são divididos entre as várias mulheres -e, por isso, a qualquer momento, qualquer uma corre o risco de apanhar.
Desta vez, ele não poupou nem a protagonista. A bofetada estala na cara de Luciana. Luciana é uma jovem rica, mimada e aspirante a modelo. A agressora é Helena, modelo de sucesso e casada com o pai da agredida. Luciana tem inveja e ciúme de Helena.
Numa discussão banal, Luciana acusa Helena de ter feito um aborto para não atrapalhar a carreira. Helena se defende como pode, mas Luciana prossegue em tom indignado e acaba por classificar o aborto como um "crimezinho"... Até que Helena perde a paciência e senta a mão na cara de Luciana.
Ora, Luciana é tudo o que há de detestável: competitiva, arrogante, mimada, injusta. Helena, seu espelho invertido: doce, batalhadora, equilibrada, veio de baixo. Mas, na cena, por mais que Luciana esteja mostrando suas garras, o espectador é levado a desconfiar e a condenar Helena: ela fez um aborto e não contou isso ao marido. Com um agravante: foi ela quem bateu primeiro.
Um crime, de acordo com a lei brasileira, com o conservadorismo religioso e, provavelmente, com as convicções de vários espectadores.
Mas, neste caso, é ainda pior, pois não passa de um "crimezinho", uma vez que, movido por razões comezinhas, como a ambição de subir na vida. E não para por aí: essa briga, de certa forma, será responsável pelo acidente que deixará a bela Luciana tetraplégica.
Então, temos duas mulheres, uma coberta de razão por estar do lado da moral e dos sentimentos de muitos dos espectadores, mesmo que sua razão venha acompanhada de antipatia; outra tão terrivelmente culpada que sua doçura e retidão vão parecer, daqui por diante, hipócritas.
Provavelmente, ao longo da novela, ambas irão purgar os seus pecados, não sem antes sofrer de maneira atroz. E de levar umas boas, por que merecidas, lambadas.

biabramo.tv@uol.com.br


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