São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

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Crítica/"O Crocodilo"

Moretti evoca olhar político dos 70

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O que falar de novo sobre Silvio Berlusconi? A pergunta é repetida em "O Crocodilo". "Todo mundo" sabe tudo a respeito de sua trajetória nos negócios e na política. Mesmo assim, boa parte dos eleitores tem votado nele e em seu partido. Problema número 1.
O segundo nome mais repetido no filme é o do ator Gian Maria Volontè (1933-1994), ícone do cinema político italiano. Um personagem lembra que "ele fez o Aldo Moro" ("O Caso Aldo Moro"), "aquele sujeito do petróleo" ("O Caso Mattei") e "Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita", e que "precisamos voltar a isso". Problema número 2.
Como resolver simultaneamente os dois problemas -falar de Berlusconi com a antiga contundência dos filmes italianos- é o desafio que "O Crocodilo" lança ao quase falido produtor de cinema Bruno Bonomo (Silvio Orlando), que desenvolve projeto sobre o ex-primeiro-ministro. Não é um bom momento para Bruno, que fez algum dinheiro com produções populares (assistimos a um trecho da aventura "Cataratas", ouvimos falar de "Maciste Versus Freud") e que procura retornar à ativa com o épico "O Retorno de Colombo", a ser dirigido por um ancião (não por acaso, interpretado por Giuliano Montaldo, o cineasta de "Sacco e Vanzetti" e "Giordano Bruno").
Os credores estão no seu encalço. Além disso, Bruno está se separando da mulher (Margherita Buy), antiga estrela de seus filmes, e se distanciando dos filhos. No meio do vendaval, uma jovem curta-metragista (Jasmine Trinca) lhe oferece o roteiro de um longa chamado "O Crocodilo".

Alter ego
Na vereda aberta por filmes-dentro-de-filmes como "Contrastes Humanos" (1942), de Preston Sturges, e "Oito e Meio" (1963), de Federico Fellini, o dilema de Bruno se confunde com o do diretor e co-roteirista Nanni Moretti -que evita, no entanto, o procedimento habitual de projeção do "alter ego" no personagem. Os dois "Crocodilos" -o de Bruno e o de Moretti- é que conversam, intensamente.
Há uma seqüência admirável, semelhante a uma cena-chave de "O Quarto do Filho" (2001), o longa anterior de Moretti: enquanto um dos filhos de Bruno se irrita porque não consegue encontrar a peça de Lego que falta para completar seu brinquedo, o pai tem um ataque de nervos durante um concerto. As coisas não se encaixam, sobretudo para Bruno, assim como parece faltar algo para entender a Itália sob Berlusconi.
"A lei é igual para todos", diz o letreiro na parede de um tribunal, "mas este cidadão é um pouco mais igual do que os outros", argumenta um dos diversos Berlusconi de "O Crocodilo". Esse, o derradeiro, é também o mais perturbador -o recurso de Moretti para evocar a contundência de Volontè, Montaldo e a rapaziada dos anos 70.


O CROCODILO     
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália/França, 2006
Com: Silvio Orlando, Jasmine Trinca
Quando: em cartaz nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e Bombril


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