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Crítica/"O Crocodilo"
Moretti evoca olhar político dos 70
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
O que falar de novo sobre
Silvio Berlusconi? A
pergunta é repetida
em "O Crocodilo". "Todo mundo" sabe tudo a respeito de sua
trajetória nos negócios e na política. Mesmo assim, boa parte
dos eleitores tem votado nele e
em seu partido. Problema número 1.
O segundo nome mais repetido no filme é o do ator Gian Maria Volontè (1933-1994), ícone
do cinema político italiano. Um
personagem lembra que "ele
fez o Aldo Moro" ("O Caso Aldo
Moro"), "aquele sujeito do petróleo" ("O Caso Mattei") e "Investigação Sobre um Cidadão
Acima de Qualquer Suspeita", e
que "precisamos voltar a isso".
Problema número 2.
Como resolver simultaneamente os dois problemas -falar de Berlusconi com a antiga
contundência dos filmes italianos- é o desafio que "O Crocodilo" lança ao quase falido produtor de cinema Bruno Bonomo (Silvio Orlando), que desenvolve projeto sobre o ex-primeiro-ministro.
Não é um bom momento para Bruno, que fez algum dinheiro com produções populares
(assistimos a um trecho da
aventura "Cataratas", ouvimos
falar de "Maciste Versus
Freud") e que procura retornar
à ativa com o épico "O Retorno
de Colombo", a ser dirigido por
um ancião (não por acaso, interpretado por Giuliano Montaldo, o cineasta de "Sacco e
Vanzetti" e "Giordano Bruno").
Os credores estão no seu encalço. Além disso, Bruno está se
separando da mulher (Margherita Buy), antiga estrela de seus
filmes, e se distanciando dos filhos. No meio do vendaval, uma
jovem curta-metragista (Jasmine Trinca) lhe oferece o roteiro de um longa chamado "O
Crocodilo".
Alter ego
Na vereda aberta por filmes-dentro-de-filmes como "Contrastes Humanos" (1942), de
Preston Sturges, e "Oito e
Meio" (1963), de Federico Fellini, o dilema de Bruno se confunde com o do diretor e co-roteirista Nanni Moretti -que
evita, no entanto, o procedimento habitual de projeção do
"alter ego" no personagem. Os
dois "Crocodilos" -o de Bruno
e o de Moretti- é que conversam, intensamente.
Há uma seqüência admirável, semelhante a uma cena-chave de "O Quarto do Filho"
(2001), o longa anterior de Moretti: enquanto um dos filhos
de Bruno se irrita porque não
consegue encontrar a peça de
Lego que falta para completar
seu brinquedo, o pai tem um
ataque de nervos durante um
concerto. As coisas não se encaixam, sobretudo para Bruno,
assim como parece faltar algo
para entender a Itália sob Berlusconi.
"A lei é igual para todos", diz
o letreiro na parede de um tribunal, "mas este cidadão é um
pouco mais igual do que os outros", argumenta um dos diversos Berlusconi de "O Crocodilo". Esse, o derradeiro, é também o mais perturbador -o recurso de Moretti para evocar a
contundência de Volontè,
Montaldo e a rapaziada dos
anos 70.
O CROCODILO
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália/França, 2006
Com: Silvio Orlando, Jasmine Trinca
Quando: em cartaz nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e Bombril
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