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"D. João 6º oficializou biopirataria"
Jornalista lança livro sobre história do Jardim Botânico do Rio e diz que "mística dos príncipes" permitiu sua sobrevivência
"O Jardim de d. João" mostra que local foi essencial para o tráfico de especiarias, frutas, resinas, madeira e plantas medicinais
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem se escandaliza com a
interminável discussão que hoje se desenrola sobre biopirataria deveria ler "O Jardim de d.
João", da jornalista e escritora
Rosa Nepomuceno. Além de
trazer a história do jardim botânico mais famoso do Brasil, a
autora mostra como o espaço
foi importante para estruturar
uma prática comum na época.
Publicado dentro das comemorações dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil, o
livro mostra como a transferência da corte serviu para criar
e multiplicar os hortos de aclimatação essenciais para o desenvolvimento do tráfico de
plantas. Os portugueses tinham espiões nos dois grandes
hortos franceses (na atual
Guiana Francesa e em Maurício, no oceano Índico), cooptando pesquisadores para trazer informações e sementes de
especiarias, frutas, resinas, madeira ou plantas medicinais.
"A pirataria sempre correu
solta, mas ela se oficializou em
1809, quando d. João 6º mandou invadir a atual Guiana
Francesa e levou os portugueses a se estabelecerem na região, entre 1810 e 1817. Inclusive manuais e as técnicas para
plantio foram apropriadas", diz
Nepomuceno, que também é
autora de "O Brasil na Rota das
Especiarias" (José Olympio).
Produção de chá
Ainda que "estrangeiras" como a manga já tivessem sido incorporadas, o Jardim Botânico
do Rio, destinado em seu início
a uma fábrica de pólvora, serviu
para inaugurar em solo brasileiro a produção da cânfora,
noz-moscada e lichia, entre outras plantas. Também foi o laboratório de produção de chá,
quando ainda não se sabia o papel que o café ocuparia na economia nacional. Para isso, em
1814, foram trazidos 300 chineses de Macau.
Nem tudo foram rosas na
história do horto. Como aponta
a historiadora Isabel Lustosa
no prefácio, o jardim conseguiu
se preservar até o período regencial, mas foi justamente
com o ilustrado d. Pedro 2º que
o local foi desfigurado e quase
desapareceu.
Ironicamente, foi com o advento da República que o jardim da realeza entrou na sua
era mais rica, retomou o papel
de pesquisa e sofreu uma guinada, adquirindo status de
campo de pesquisa científica
que serviu de referência no país
e no exterior.
Para a autora, se não fosse a
aura que cerca a família real, o
jardim não teria sobrevivido.
"Foi a mística de ter sido o jardim de d. João, dos príncipes e
de dona Leopoldina que permitiu o milagre da sobrevivência,
não tenho dúvida disso."
O próprio d. João 6º está ligado à planta mais famosa do local, que virou símbolo de status
no século 19. Tudo indica que
foi ele quem semeou no local a
planta mater da palmeira imperial, ícone tipicamente brasileiro de status e poder. Todas as
mudas, que depois se espalharam pelo país e ornaram as fazendas do baronato do café no
vale do Paraíba e em tantas regiões brasileiras, são descendentes da leva trazida por d.
João 6º.
Espécie das Antilhas e da Venezuela que foi cultivada pelos
franceses em Maurício, a palmeira imperial foi trazida pela
lábia de um oficial da Armada
Real Portuguesa, que "subtraiu" 20 caixotes do Jardim de
la Pamplemousse. A própria
planta do príncipe regente sobreviveu 162 anos, até ser fulminada por um raio em 1972.
O JARDIM DE D. JOÃO
Autora: Rosa Nepomuceno
Edição: Dona Rosa Produções/Casa da Palavra
Quanto: R$ 58 (176 págs.)
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