Músico liderou a vanguarda musical do pós-guerra juntamente com Pierre Boulez e influenciou a produção contemporânea

Legado do compositor reúne 362 obras; ele radicalizou o serialismo pregado por Arnold Schönberg e teve seguidores no Brasil

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Morreu na última quarta, em Kuerten-Kettenberg (no oeste da Alemanha), de causas não divulgadas, um dos mais influentes e provocadores compositores da segunda metade do século 20: o alemão Karlheinz Stockhausen, 79. A morte só foi anunciada ontem.
Stockhausen deixou 362 obras, além de uma quantidade prolífica de textos, em que explicava suas idéias musicais. Pouco depois dos atentados de 11 de Setembro, ele causou polêmica ao descrever os ataques como "a maior obra de arte que se poderia imaginar".
Sua criação mais ambiciosa foi "Licht" ("Luz"), um ambicioso ciclo de sete óperas, cada uma dedicada a um dia da semana. A composição de "Licht" levou perto de seis décadas (de 1977 a 2003). Só as cinco primeiras óperas já foram executadas. Se tocado na íntegra (como foi anunciado para Dresden, nas celebrações de seu 80º aniversário, em 2008), o ciclo duraria 29 horas.
A monumentalidade de "Licht" -bem como a radicalidade e o ecletismo dos meios ali utilizados- ajuda a entender a estética de Stockhausen. A terceira cena da ópera "Mittwoch aus Licht" ("Quarta-Feira de Luz"), por exemplo, tem o nome de "Helikopter-Streichquartett" ("Quarteto de Cordas Helicóptero"). Tendo já sido apresentada inúmeras vezes, a obra prevê os quatro membros de um quarteto de cordas voando em quatro helicópteros, em uma área próxima ao teatro em que a platéia está sentada.
O que o público vê são imagens dos musicistas, bem como uma mixagem entre os sons que eles produzem dentro das aeronaves e o próprio barulho dos helicópteros. Provocação de Stockhausen, bem ao gosto das vanguardas germânicas.
Vanguardas que ele passou a liderar cedo. Foi com 24 anos de idade, em 1952, que sua "Kreuzspiel" (jogo cruzado, em tradução livre), foi apresentada nos cursos de verão de Darmstadt. Para oboé, clarinete e três percussionistas, a obra lançava os fundamentos da estética que se chamaria serialismo integral e colocaria Stockhausen como um dos líderes das vanguardas musicais do pós-guerra, junto a Pierre Boulez.
O serialismo integral era uma radicalização do serialismo (ou dodecafonismo) pregado por Arnold Schönberg e seus discípulos Alban Berg e Anton Webern, membros da Segunda Escola de Viena.

Influência em brasileiros
A partir de Darmstadt, Stockhausen e Boulez difundiam o novo culto, influenciando, inclusive, brasileiros como Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Rogério Duprat e Júlio Medaglia, que estariam à frente do movimento que, na década de 1960, ficaria conhecido como Música Nova.
Mas o serialismo integral é só um pedaço da história de Stockhausen. Ele estimulou a música intuitiva, em "Aus Den Sieben Tagen" ("Dos Sete Dias"), em que os executantes reagiam a estímulos verbais; redesenhou a idéia de escrita vocal em "Stimmung" ("Afinação"); colocou três orquestras em torno da platéia em "Gruppen"; e fez ousados experimentos eletrônicos em "Gesang der Jünglinge" ("Canção dos Jovens").
O espantoso é que, defendendo, sem concessões uma estética vanguardista, intelectualizada e hermética, esse alemão nascido na região de Colônia, discípulo de Messiaen, e pioneiro da música eletrônica, tenha sido uma influência tão reconhecida e reivindicada por ícones da cultura pop. Os Beatles estamparam uma foto de Stockhausen na capa de "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" e figuras como Miles Davis, Frank Zappa e até Björk se disseram influenciadas por ele.
Mas a grandeza de Stockhausen, evidentemente, não reside nas lisonjas que ele recebeu de campeões de vendas de disco, e sim em suas realizações estéticas. Teoria, planejamento e execução estavam profundamente interligados na definição de sua estética: cada obra era a realização de um programa, meticulosamente pensado com antecedência, e plenamente justificado do ponto de vista intelectual.


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