São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009

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Artistas testemunham degelo no polo Norte

Projeto Cape Farewell debate questão climática com música, literatura e mostra

Para diretor britânico David Buckland, as artes trazem para a escala humana os alarmes científicos sobre o ecossistema

Divulgação/Cape Farewell
"Hot Spot", da artista libanesa Mona Hatoum, integra a exposição "Earth" em cartaz na Royal Academy of Arts em Londres

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma exposição na Royal Academy of Arts de Londres, um novo romance de Ian McEwan e uma canção de Jarvis Cocker. É com essas armas culturais que o artista plástico britânico David Buckland, 60, pretende enfrentar o desafio global das mudanças climáticas.
Para ele, gráficos das emissões de gás carbônico podem pressionar (ou não) líderes mundiais na cúpula da ONU (COP-15), que acontece nesta semana em Copenhague. Mas só uma abordagem menos científica, mais subjetiva, pode mobilizar os habitantes do planeta no combate a essa ameaça.
Para isso, desde 2003, Buckland dirige expedições ao polo Norte em que coloca lado a lado artistas e cientistas do clima. Mais de 70 artistas já participaram do projeto, intitulado Cape Farewell. Entre eles estão nomes como o do escritor britânico Ian McEwan, do cantor e ex-vocalista do Pulp, Jarvis Cocker, e das artistas plásticas Rachel Whitehead e Sophie Calle (veja quadro ao lado).
Durante as expedições, os artistas participam de experimentos junto aos cientistas e observam o degelo da calota norte da Terra a olho nu.

Inteligência emocional
"Todas essas informações científicas sobre as mudanças climáticas não fazem sentido para muita gente. Elas criam imagens distantes e abstratas demais para terem um impacto real na nossa vida hoje", diz Buckland em entrevista à Folha, por telefone, de Londres.
"Levar artistas para o Ártico faz com que eles tenham uma história pessoal com as mudanças visíveis hoje. E isso traz todos esses alarmes científicos para a escala humana. Substitui uma informação técnica de escala planetária por uma narrativa da experiência humana."
Para ele, "o poder da arte está em mobilizar nossas emoções". "Os artistas conseguem tratar da relação entre seres humanos e ecossistema por uma via que não é racional, mas emocional."
"Meu argumento é que tomamos as principais decisões das nossas vidas baseados em emoções. Como esse é o terreno da arte, defendo que ela é fundamental no debate das mudanças climáticas também", diz.
Para reiterar a força das artes no debate sobre as reviravoltas do clima global, Buckland também hasteia sua bandeira numa exposição que ocupa a Royal Academy of Arts, em Londres, até 31 de janeiro de 2010.
Buckland é cocurador de "Earth", que reúne trinta artistas contemporâneos engajados no tema da instabilidade climática e do papel das pessoas nessas variações. Entre eles estão Tracey Emin, Antony Gormley e Yao Lu.
"A arte opera onde há transformação cultural. E a exposição espelha as disfunções do planeta e as mudanças culturais implícitas nelas", diz.

Sem contrapartida
Muitas obras expostas em "Earth" são resultado das viagens do Cape Farewell. Mas, segundo Buckland, não há contrapartida no projeto. "Alguns produzem obras ao final da viagem, outros não."
"Solar", o novo romance de McEwan com lançamento no Reino Unido previsto para março de 2010, foi baseado na experiência do projeto. Durante a viagem, no entanto, ele produziu outros pequenos textos.
Em um deles, McEwan escreveu: "A pressão dos nossos números, a abundância das nossas invenções, a força cega dos nossos desejos e necessidades estão criando um calor: é o respirar quente da nossa civilização. Como podemos começar a nos conter? (...) Seria este o começo ou o começo do fim?".

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