São Paulo, terça, 8 de dezembro de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Luiz Paulo Baravelli "recebe" Tiepolo

Divulgação
"A Quarta Graça", obra do artista Luiz Paulo Baravelli


PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Luiz Paulo Baravelli não é mais um artista que expõe regularmente. Não tem marchand, patrão, horário. Sai pouco de sua casa/ateliê, na Granja Vianna, onde diz produzir diariamente, mormente desenhos. Muitos deles feitos a partir da observação de modelos vivos.
Foi então que ele, qual um cavalo de umbanda, "recebeu" Tiepolo (pintor e gravurista italiano do século 18). Ao final da obra, percebendo a semelhança, escreveu em letras miúdas, na parte inferior do papel, o nome do mestre.
Baravelli explica: "Estou autocentrado, não tenho preocupações com a novidade". Por não trabalhar com aranhas ou "seringas cheias de sangue", ele pode se dedicar a uma obra que diz "verdadeira", e que supõe acabar por traduzir "40 mil anos de arte".
A partir de hoje, na galeria Nara Roesler, exibe um extenso conjunto de pinturas e desenhos, resultado de sua atividade de "estúdio", reflexo de sua "ascendência italiana, cada vez mais importante".
São pinturas que alguém familiarizado com sua obra irá identificar prontamente (os recortes estranhos de telas e as justaposições de imagens estão lá), mas que evidenciam o desenho. Não bastassem as interferências do crayon sobre as telas, fez questão de mostrar mais de 30 desenhos sobre papel.
Estaria Baravelli, aos 56 anos, regredindo a um naturalismo, ao academismo, quem sabe à Renascença? "Não estou me alienando."
Embora admita estar voltando a uma prática do tempo das "pinturas rupestres de Altamira" (o uso do modelo vivo), ele prefere falar em "tranquilidade" para poder fazer medições fiéis com seu "sismógrafo". É uma maneira metafórica de falar de seu descontentamento com o circuito plástico brasileiro, ocupado por uma espécie de "liderança curatorial" que se interessa por "manifestos" e cujas exposições são "shows". Mas que se obriga a acompanhar.
Tirante Tiepolo, quem buscar referências escondidas nas obras desta exposição vai achar sugestões, não "citações". Há uma janela que pode lembrar De Chirico, o tema clássico das Três Graças, um céu kitsch, composições que remetem a Wesley Duke Lee (seu primeiro professor). A maneira como Baravelli se apropria disso tudo, contudo, é que faz dele um artista ligado a seu tempo.
Um exemplo evidente é "Zoom-Out", que começou, como tantas outras obras, da observação da modelo com quem o artista trabalha. A presença de um quadro na parede contígua, porém, chamou tanto sua atenção que se tornou a parte mais evidente do trabalho.
A preocupação com o retângulo (o formato histórico da tela) também é motivo de comentário de sua obra. "Não há formas retangulares na natureza. Por isso, ter produzido o retângulo talvez tenha sido a grande invenção humana, a prova de nossa artificialidade. Artificialidade é igual a arte."
Ao refutar o "show" e o "conceito" das exposições contemporâneas, o "job" (trabalho) -termo que aplica à produção de artistas atuais-, e firmar pé em prática tão démodé como o desenho de anatomia, Baravelli poderia estar apenas mal-humorado, tentando buscar por aí ouvidos para seu desajustamento. Mas mesmo antes de perguntado já fala que seus novos trabalhos respeitam "algum tipo pensativo de felicidade".
Mas felicidade combina com o estado de espírito do verdadeiro artista? Baravelli cita o compositor austríaco Joseph Haydn (1732-1809), que julga não ter tido na vida grandes motivos para ser infeliz, e que, ainda assim, legou sinfonias e oratórios à posteridade.
Feliz, crítico e dizendo "jogar no ataque", Baravelli não pretende ser Haydn, tampouco Tiepolo. Quem procurar nele apenas Baravelli, contudo, pode ter certeza que encontrará um artista original, um produtor do que chama de "coisa pessoal".
²

Exposição: Luiz Paulo Baravelli Onde: galeria Nara Roesler (av. Europa, 655, tel. 011/853-2123) Quando: seg. a sex., 10h às 19h; sáb., 10h às 14h (até 31 de janeiro) Quanto: R$ 13 mil a R$ 20 mil Vernissage: hoje, às 21h Patrocinador: DM9/DDB


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