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CRÍTICA
O futuro da TV que não houve
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Por que parou? Parou, por
quê? Vendo a TV Rá-Tim-Bum, cuja programação constitui-se, basicamente, do acervo de
programas infantis da TV Cultura dos anos 80 e 90, essa pergunta
fica no ar. É um pouco retórica, a
pergunta -há, aqui e ali, programas mais recentes, estréias-,
mas serve: se a TV Cultura conseguiu chegar àquele nível de qualidade em sua programação infantil, por que parou?
Com exceção do (ótimo) "Cocoricó", ainda em produção, repete-se na TV Rá-Tim-Bum
aquilo que se tornou uma espécie
de estigma da TV Cultura: muita
reprise e repetição.
E é uma pena, porque a impressão que dá é que, na TV Cultura, se jogou fora ou se deixou
dispersar um núcleo de pensamento (e execução) de programas infantis (e infanto-juvenis e
juvenis) que talvez seja difícil
reunir novamente.
Havia ali, nesse conjunto de roteiristas, diretores, atores, animadores, músicos, um know-how consistente para lidar com
educação e diversão simultaneamente, uma concepção de entretenimento que não precisava de
artifícios para ser atraente e, até,
um conjunto de valores defendidos com firmeza mas também
com leveza e humor, que fizeram
esse momento da TV brasileira
ser realmente especial.
Não é fácil -a Xuxa que o diga- fazer programa de criança a
sério, com respeito, sem ser pesado, maçante e excessivamente escolar. Talvez a única maneira seja
acreditar, de fato, que o conhecimento, em sua concepção mais
ampla possível, é uma forma de
se relacionar com o mundo -e
que isso pode ser divertido. Que
a curiosidade, a imaginação, o
raciocínio são ferramentas que
podem ser usadas com prazer
-e não só porque são a coisa
certa e adequada. E que, nesse
campo, as crianças, se deixadas
em paz e se forem ouvidas, sabem mais do que os adultos.
"Rá-Tim-Bum", "O Castelo
Rá-Tim-Bum", "Catavento", "X-Tudo", entre outros, eram programas assim, em que os adultos
envolvidos pareciam ter parte
com o olhar infantil para as coisas -desassombrado, aberto,
inquiridor etc. O diabo - aqui,
de novo, não se pode deixar de
pensar na Xuxa e na sua enorme
dificuldade de fazer um programa "do bem"- é que não se falsifica, não se compra na esquina,
não se adquire por decreto essa
possibilidade de se colocar à altura das crianças.
É um sintoma bem grave que
esse acúmulo de experiências e
de conquistas concretas tenha se
tornado, em grande medida,
"material de arquivo". A etiologia desse caso específico é complicada -tem politicagem, desmantelamento do Estado, nova
ordem mundial etc. etc. no
meio-, mas a doença é aquela
mesma de sempre: a (quase) incapacidade de dar continuidade
às coisas que já deram certo, a
tentação de fazer política de terra
arrasada.
E, assim, assistir à TV Rá-Tim-Bum é quase como uma expedição arqueológica a um futuro da
TV que não houve.
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