São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

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O bailarino virou soldado

Na contramão de outros astros mirins, Jamie Bell, 20, vai além de "Billy Elliot" e constrói carreira no cinema

NICHOLAS BARBER
DO "INDEPENDENT"

"Clint daria de dez a zero em todos nós juntos", diz Jamie Bell, 20, entusiasmado, e, caso alguém esteja em dúvida, ele está falando de Clint Eastwood, que o dirigiu no épico da Segunda Guerra Mundial "A Conquista da Honra". "No primeiro dia de filmagens, estávamos no mar da Islândia rodando a sequência em que os marines desembarcam em Iwo Jima, e Clint estava conosco, saltando de barco em barco. Ele tem 70 e alguns anos, mas pilota helicópteros, dirige utilitários enormes. É espantoso."
É espantoso sim, com certeza. Mas mais espantoso ainda é que Bell tenha sido escolhido por uma lenda americana viva para representar um soldado americano, Ralph "Iggy" Ignatowski. Para quem não lembra, Jamie Bell é o adolescente de orelhas grandes que viveu o papel-título de "Billy Elliot". Ele pode ter feito um trabalho ótimo nesse filme, mas a verdade é que era um adolescente do nordeste da Inglaterra que adorava dançar que representou um adolescente do nordeste da Inglaterra que adorava dançar.
Não chegava a ser tão difícil assim, e a aclamação que ganhou por suas piruetas no filme não era garantia de que sua carreira no cinema teria continuidade.
"Depois de uma coisa como essa, não há como subir, apenas cair", concorda Bell. Alguém que tivesse projetado o percurso de sua carreira em 2000, quando "Billy Elliot" foi lançado, teria previsto mais um filme britânico comovente, misto de comédia e drama, seguido por um seriado de TV britânico também comovente. O que Bell fez, entretanto, foi o que não se esperava dele.
Desde "Billy Elliot", o ator vem cuidadosamente e sem alarde erguendo uma carreira sólida, tendo como alicerce alguns projetos independentes experimentais e alguns blockbusters de destaque de Hollywood. Exemplo disso foi a passagem direta do colossal "A Conquista da Honra" para o independente "Hallam Foe", a seqüência dirigida por David McKenzie do polêmico "O Jovem Adam". "Hallam Foe" é um "filme de doce vingança" ambientado em Edimburgo, e Jamie Bell o considera "a coisa mais instigante e interessante" que já fez. Passados alguns meses de seu 20º aniversário, a pergunta obrigatória que se coloca é: como foi que tudo deu tão certo?

Sem pressa
Sua primeira decisão inteligente foi evitar a pressa em fazer seu segundo filme. Bell só foi visto na tela grande dois anos depois de o circo "Billy Elliot" ter deixado a cidade, e, quando isso aconteceu, em 2002, ele surgiu como coadjuvante nos elencos de "Guerreiros do Inferno" e "Nicholas Nickleby". Nenhum desses papéis chamou muita atenção, mas os dois provaram que ele era capaz de fazer personagens que não fossem o de um filho de mineiro com jeito para dançar balé. Dois anos mais tarde, ele apareceu em "Contracorrente", de David Gordon Green.
Em seguida, na parábola poética de Thomas Vinterberg sobre o amor dos americanos pelas armas, "Querida Wendy". Esses dois filmes foram totalmente diferentes do que Bell já tinha feito. Ambos eram produções ousadas e originais que não estavam destinadas a atrair um público grande. E o ator mostrou ser capaz de adotar um sotaque americano convincente, algo que lhe abriu portas para interpretar um soldado dos EUA no elenco de "A Conquista da Honra". Seriam esses papéis tentativas propositais de evitar ser rotulado como ator de um papel só? "Com certeza. Sou incrivelmente grato pelo sucesso de "Billy Elliot". Mas, dois ou três anos depois, você começa a se afastar do que fez antes, e é importante fazer com que as pessoas saibam que está mudando.
Fiz esses filmes por uma decisão de me implantar no mundo de cinema e me despir de qualquer rótulo que "Billy Elliot" possa ter fixado em mim."
E o que dizer do sotaque americano? "Isso leva algum tempo", diz. "Com "Contracorrente", passei quatro horas por dia, durante duas semanas, numa sala, lendo e relendo o roteiro em voz alta, com o sotaque. Acho que funcionou."
Antes de estrelar "Billy Elliot", Bell não tinha pensado seriamente em ser ator. Depois disso, com dois prêmios Bafta em sua prateleira, ele ainda não tinha certeza de que iria continuar a fazer cinema. "Alguma coisa dentro de mim me dizia: "Não, eu realmente gosto deste trabalho"."

Longe dos flashes
Sua preferência pelo trabalho em lugar do glamour ficou clara na época, especialmente quando a entrega dos Globos de Ouro foi televisionada. Há imagens impagáveis de outro astro mirim, Haley Joel Osment, falando em tom emocionado sobre como "Billy Elliot" comoveu pessoas em todo o mundo. Depois a câmera corta para Bell, que traz uma expressão de ódio no rosto. "Foi um olhar de sem jeito", corrige o ator.
Após seu trabalho precoce em "O Sexto Sentido", Osment teve atuações irregulares em "A Corrente do Bem" e "A.I. - Inteligência Artificial", o que fez a decisão de Bell de seguir um caminho menos direto até Hollywood parecer mais esperta.
Além das produções já mencionadas, ele aparece no independente "The Chumscrubber", um filme sobre angústia existencial suburbana americana, liderando um elenco que inclui Ralph Fiennes e Glenn Close. E não nos esqueçamos de "King Kong".
Não surpreende ouvir Bell dizer que ele espera dirigir filmes ele próprio. "Tenho sido abençoado pela oportunidade de trabalhar com essas grandes pessoas", afirma. "Não há como não se sentir inspirado por elas quase todos os dias. O estranho é que, quando trabalho com esses diretores, parece que começo a receber o espírito deles em mim. Isso é bacana, quando se trabalha com Clint Eastwood." Será que o garoto bailarino pode um dia se tornar o próximo Clint Eastwood? Alguém que estivesse projetando sua carreira hoje não poderia excluir essa possibilidade.


Tradução CLARA ALLAIN

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