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MARCELO COELHO
Novidades no ar
Barack Obama não é um caubói, um astronauta, um fuzileiro naval. Não lembra ativistas negros
ESCREVO ESTE artigo sem saber
o resultado das prévias de
New Hampshire. E sem saber
direito, aliás, onde fica New Hampshire nos Estados Unidos.
Sei menos ainda o que pensa Barack Obama, e se é uma vantagem
para os democratas ter o senador
negro de Illinois como candidato à
Presidência dos Estados Unidos, em
vez de Hillary Clinton.
Vou mais pela cara de cada um.
Sem dúvida, seria uma bela novidade ter uma mulher como Hillary
Clinton no lugar de Bush. Mas, se o
critério é novidade, Barack Obama
vale muito mais a pena. Visualmente, pelo menos.
Hillary traz aquela aparência
composta, artificial, maquiada, de
toda mulher executiva em qualquer
parte do mundo.
Os homens da classe dominante
dispõem de uma série de recursos
estabelecidos para se impor fisicamente ao mundo exterior: o terno, a
gravata, o sorriso, a gesticulação decidida, a posição dos ombros, a estrutura óssea do queixo.
Nas mulheres executivas, apesar
dos conjuntinhos de saia e paletó, a
armadura convencional do "poder"
e da "objetividade" tendem a se concentrar no rosto. O corte de cabelos,
a maquiagem, um ou outro retoque
de botox, fazem-nas ainda mais padronizadas do que seus equivalentes
masculinos.
Apesar da cor da pele, há menos
diferença visual entre Hillary e Condoleezza, por exemplo, do que entre
Gordon Brown e Tony Blair. Os homens poderosos podem ser baixinhos, gordos, cabeçudos, carecas...
podem ostentar narizes ou sobrancelhas descomunais.
Ponha-se uma mulher de candidata, e, bonita ou feia, seu destino será aproximar-se do figurino antinatural, dessexualizado e biônico da
grande Górgona dos anos 80, a baronesa Thatcher.
Machismo de minha parte? Acho
que não. Machismo delas, talvez.
Cumpre-lhes, sem dúvida, anular
por meio de maquiagem e cabeleireiros o que possam ter de imprevisível, de "diferente". É como se fossem obrigadas a eliminar o que, na
imagem feminina, costuma-se associar a um comportamento errático,
sazonal, "de lua".
Personalidades como Hillary não
podem ter acordado com o pé esquerdo, ou com o cabelo em desordem. Tudo, nesse novo estereótipo
da mulher poderosa, tem de estar
sob controle: a cosmética facial trata
de exorcizar qualquer fantasma de
ingovernabilidade ou desatenção.
Não será este um ponto fraco para
a imagem de Hillary Clinton? Tanto
ela quanto Barack Obama representam a esperança de superar os oito
desastrosos anos de George W.
Bush. Mas Hillary aposta mais na
previsibilidade e na experiência do
que na mudança. Seu visual é claramente conservador.
E basta ver Barack Obama na televisão para perceber que há algo
completamente novo no ar. O terno
e a gravata estão lá: mas o corpo de
Obama parece ter vida independente de suas roupas. Movimenta-se
com uma flexibilidade, uma leveza,
uma angulosidade que o distingue
radicalmente do modelo de jogador
de futebol americano adotado pela
maioria dos candidatos à liderança
da Casa Branca.
Não é um caubói, um astronauta,
um fuzileiro naval. Não se assemelha tampouco aos ativistas negros
das décadas de 60 e 70. Sua aparência é de alguém mais solto, menos
sufocado pela política de identidades que divide o ambiente ideológico norte-americano. Se o fato de ser
negro constitui uma novidade e tanto, o que mais chama a atenção na figura de Obama é o seu desenraizamento, sua "laicidade", se posso resumir assim.
Um dos males da esquerda (penso
nas eleições francesas, por exemplo)
está no fato de que seus candidatos
parecem ficar o tempo todo na defensiva, tentando fingir que não
pensam aquilo que de fato pensam.
Enquanto isso, a direita acumula
sucessos quanto mais se radicaliza.
Os conservadores perderam o medo
de ser conservadores; os progressistas fazem o possível para esconder
seu progressismo.
Na França, Nicolas Sarkozy não tinha problemas em ser de direita, enquanto Ségolène Royal tentava ganhar os votos do centro. Uma vez
eleito, Sarkozy conseguiu aliados à
esquerda, porque nunca teve medo
de si mesmo.
Se é para fazer mudanças, nada
pior do que um progressista se embonecar de executivo de multinacional, apenas para não se confundir
com Chávez. Uma esquerda que não
seja, como Chávez, troglodita, tem
de inventar um figurino novo. O que
significa, talvez, criar a partir do nada. É nesse vazio, nesse éter de futuro e imprevisto, que Barack Obama
parece dançar com elegância. Resta
saber se não tropeça.
coelhofsp@uol.com.br
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