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Olho na cor
O artista britânico David Batchelor lança "Cromofobia" no Brasil, ensaio sobre a cor e o medo dela na cultura ocidental
Danilo Verpa/Folha Imagem
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Objetos da série "Eyeball', de David Batchelor, na galeria Leme, em SP |
MARIO GIOIA
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
O salão de baile da sombria
Folkestone, no litoral sul da Inglaterra, vai ganhar em junho
um novo lustre -pronto para
girar à luz do sol de um balneário aposentado por nativos que
preferem o Mediterrâneo. É
uma esfera feita de 3.000 óculos escuros que o artista britânico David Batchelor comprou
na rua 25 de Março, meca do
comércio popular de São Paulo.
É das partes pobres das grandes cidades que Batchelor tira
suas cores preferidas, de um
"mercado globalizado de plástico derretido". Depois de passar
os últimos 15 anos pesquisando
novas cores, sentiu-se sozinho
num mundo de artistas que desistiram da cor e mergulharam
num cinza apaziguado.
De seu horror à arte contemporânea desbotada surgiu
"Cromofobia" (ed. Senac, trad.
Marcelo Mendes; R$ 32, 144
págs.), livro recém-lançado no
Brasil, que o artista prefere
chamar de "argumento apaixonado" sobre o pavor da cor nas
artes plásticas.
Batchelor é artista de destaque no estridente cenário britânico das artes visuais, com
obras em coleções famosas, como a Saatchi. No Brasil, é representado pela galeria Leme,
em São Paulo, onde fará uma
exposição individual no segundo semestre.
No lugar da teoria, Batchelor
lista em "Cromofobia" as impressões que ficaram de suas
leituras sobre a cor, não só de
textos dos críticos e historiadores da arte, mas também seus
achados na literatura de Herman Melville e Joseph Conrad,
no cinema de Sergei Eisenstein
e na cultura technicolor do filme "O Mágico de Oz".
Também autor de "Minimalismo - Movimentos na Arte
Moderna" (ed. Cosac Naify), referência para o estudo desse
movimento, Batchelor já havia
denunciado a paleta restrita da
modernidade em tom acadêmico. Na nova publicação, está o
resíduo de seu medo: os pensamentos de um artista em pânico diante da ausência da cor.
"No Ocidente, nossa experiência com cores é muito ambivalente. Somos ao mesmo
tempo atraídos e repelidos por
elas. Trato o assunto do ponto
de vista de um artista, não de
um acadêmico. O livro é mais
uma colagem que um argumento bem ordenado", disse
Batchelor à Folha, por telefone, de Londres.
Ele narra nas primeiras páginas do livro uma visita à casa de
um colecionador toda branca e
cinza, sem cor. Lembra então o
horror do branco na literatura,
começando com a alvura aterrorizante da baleia assassina de
Melville em "Moby Dick".
"Acho que o texto mais extraordinário já escrito sobre a
cor é o de Melville. É absolutamente marcante, estarrecedor.
Me dá calafrios cada vez que
leio. Ninguém escreveu sobre o
assunto de forma mais intensa
ou estranha", opina.
Na obra-prima de Joseph
Conrad, "O Coração das Trevas", Batchelor identifica a percepção da cor como algo "ultrajante" diante do branco, visto
pelo autor do romance como
uma uniformidade instável,
que camufla a morte.
Batchelor organiza um novo
livro, uma espécie de antologia
sobre a cor com escritos de
Baudelaire, Wittgenstein,
Melville, Conrad e até Johnny
Cash. Ainda sem previsão de
tradução, o volume deve ser
lançado em março no Reino
Unido e nos Estados Unidos.
Queda pelo irracional
Em "Cromofobia", a cor vista
como uma queda pelo irracional, como um disfarce cosmético ou como falta de sofisticação
é tema dos demais capítulos,
cheios de exemplos contundentes dessa ambivalência cromática no Ocidente.
De Aristóteles a Aldous Huxley, Batchelor também liga a
experiência cromática às drogas. O "phármakon" do filósofo
grego era uma droga classificada como cor; Roland Barthes,
no embalo psicodélico dos anos
60, atribui à cor a sensação de
êxtase; e Huxley descreve em
"As Portas da Percepção" as cores que enxergou quando ingeriu mescalina: "suntuosas superfícies vermelhas, nódulos de
energia brilhantes".
A viagem de Dorothy ao reino mágico de Oz, com sua cidade de esmeraldas, tijolos amarelos e sapatinhos de rubi, é
comparada, por Batchelor, à
viagem do arquiteto Le Corbusier pelo Oriente, onde ficou
fascinado pela variedade das
cores, mas depois acabaria se
refugiando em um branco típico do racionalismo.
"Mesmo que Donald Judd tenha usado acrílico e Andy Warhol tenha abusado de tons químicos, ainda vemos a cor como
falta de sofisticação", diz Batchelor. "Há grande resistência
em ver seriedade no colorido."
Batchelor diz que começou a
usar cores fortes em sua obra
por acaso, quando decidiu pintar de cor-de-rosa uma escultura. Desde então, passou a buscar cores "urbanas, químicas,
artificiais", longe do ateliê.
Eduardo Leme, seu galerista
em São Paulo, tem de mandar
para Londres freqüentemente
os óculos da 25 de Março para
seu lustre em Folkestone.
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