São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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Olho na cor

O artista britânico David Batchelor lança "Cromofobia" no Brasil, ensaio sobre a cor e o medo dela na cultura ocidental

Danilo Verpa/Folha Imagem
Objetos da série "Eyeball', de David Batchelor, na galeria Leme, em SP


MARIO GIOIA
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

O salão de baile da sombria Folkestone, no litoral sul da Inglaterra, vai ganhar em junho um novo lustre -pronto para girar à luz do sol de um balneário aposentado por nativos que preferem o Mediterrâneo. É uma esfera feita de 3.000 óculos escuros que o artista britânico David Batchelor comprou na rua 25 de Março, meca do comércio popular de São Paulo.
É das partes pobres das grandes cidades que Batchelor tira suas cores preferidas, de um "mercado globalizado de plástico derretido". Depois de passar os últimos 15 anos pesquisando novas cores, sentiu-se sozinho num mundo de artistas que desistiram da cor e mergulharam num cinza apaziguado.
De seu horror à arte contemporânea desbotada surgiu "Cromofobia" (ed. Senac, trad. Marcelo Mendes; R$ 32, 144 págs.), livro recém-lançado no Brasil, que o artista prefere chamar de "argumento apaixonado" sobre o pavor da cor nas artes plásticas.
Batchelor é artista de destaque no estridente cenário britânico das artes visuais, com obras em coleções famosas, como a Saatchi. No Brasil, é representado pela galeria Leme, em São Paulo, onde fará uma exposição individual no segundo semestre.
No lugar da teoria, Batchelor lista em "Cromofobia" as impressões que ficaram de suas leituras sobre a cor, não só de textos dos críticos e historiadores da arte, mas também seus achados na literatura de Herman Melville e Joseph Conrad, no cinema de Sergei Eisenstein e na cultura technicolor do filme "O Mágico de Oz".
Também autor de "Minimalismo - Movimentos na Arte Moderna" (ed. Cosac Naify), referência para o estudo desse movimento, Batchelor já havia denunciado a paleta restrita da modernidade em tom acadêmico. Na nova publicação, está o resíduo de seu medo: os pensamentos de um artista em pânico diante da ausência da cor.
"No Ocidente, nossa experiência com cores é muito ambivalente. Somos ao mesmo tempo atraídos e repelidos por elas. Trato o assunto do ponto de vista de um artista, não de um acadêmico. O livro é mais uma colagem que um argumento bem ordenado", disse Batchelor à Folha, por telefone, de Londres.
Ele narra nas primeiras páginas do livro uma visita à casa de um colecionador toda branca e cinza, sem cor. Lembra então o horror do branco na literatura, começando com a alvura aterrorizante da baleia assassina de Melville em "Moby Dick".
"Acho que o texto mais extraordinário já escrito sobre a cor é o de Melville. É absolutamente marcante, estarrecedor. Me dá calafrios cada vez que leio. Ninguém escreveu sobre o assunto de forma mais intensa ou estranha", opina.
Na obra-prima de Joseph Conrad, "O Coração das Trevas", Batchelor identifica a percepção da cor como algo "ultrajante" diante do branco, visto pelo autor do romance como uma uniformidade instável, que camufla a morte.
Batchelor organiza um novo livro, uma espécie de antologia sobre a cor com escritos de Baudelaire, Wittgenstein, Melville, Conrad e até Johnny Cash. Ainda sem previsão de tradução, o volume deve ser lançado em março no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Queda pelo irracional
Em "Cromofobia", a cor vista como uma queda pelo irracional, como um disfarce cosmético ou como falta de sofisticação é tema dos demais capítulos, cheios de exemplos contundentes dessa ambivalência cromática no Ocidente.
De Aristóteles a Aldous Huxley, Batchelor também liga a experiência cromática às drogas. O "phármakon" do filósofo grego era uma droga classificada como cor; Roland Barthes, no embalo psicodélico dos anos 60, atribui à cor a sensação de êxtase; e Huxley descreve em "As Portas da Percepção" as cores que enxergou quando ingeriu mescalina: "suntuosas superfícies vermelhas, nódulos de energia brilhantes".
A viagem de Dorothy ao reino mágico de Oz, com sua cidade de esmeraldas, tijolos amarelos e sapatinhos de rubi, é comparada, por Batchelor, à viagem do arquiteto Le Corbusier pelo Oriente, onde ficou fascinado pela variedade das cores, mas depois acabaria se refugiando em um branco típico do racionalismo.
"Mesmo que Donald Judd tenha usado acrílico e Andy Warhol tenha abusado de tons químicos, ainda vemos a cor como falta de sofisticação", diz Batchelor. "Há grande resistência em ver seriedade no colorido."
Batchelor diz que começou a usar cores fortes em sua obra por acaso, quando decidiu pintar de cor-de-rosa uma escultura. Desde então, passou a buscar cores "urbanas, químicas, artificiais", longe do ateliê. Eduardo Leme, seu galerista em São Paulo, tem de mandar para Londres freqüentemente os óculos da 25 de Março para seu lustre em Folkestone.


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