|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"MANA MARIA"
Alcântara Machado olha de dentro
CRÍTICO DA FOLHA
O nó do enredo de "Mana
Maria", romance de Antônio de Alcântara Machado, se dá
por meio de uma proposta de casamento. Sendo o matrimônio
um dos assuntos principais do livro, vale analisar o tratamento
que o escritor paulistano confere
nessa sua única ficção longa lançada agora, pela primeira vez, em
edição autônoma.
O proponente é o dr. Samuel
Pinto, jovem médico recém-chegado da Europa. É chamado à residência de Joaquim Pereira, cuja
filha mais nova está com escarlatina. Manda abrir as janelas: é o
"tratamento moderno". Volta à
casa várias vezes. A moça sara. Ele
cobra uma ninharia. Desconfiam.
O dr. Samuel deseja a filha mais
velha de Joaquim, a mana Maria.
Corteja-a. Empresta-lhe um romance em francês. Ela lê, detesta,
rejeita o médico. O pai se desespera. Afinal, mana Maria é feia, dura, seca. Ninguém lhe fizera a corte antes. Ninguém o faria depois.
Depois recebem a notícia: dr.
Samuel ganhara uma bolsa de estudos nos EUA. "Estava feito na
vida", pensa Joaquim, "naturalmente o governo, assim que ele
voltasse, o incumbiria da fundação de hospitais, ou nomearia diretor geral". Era um partidão.
Joaquim, com a ajuda dos tios
da moça, trama um encontro entre o casal. Há um benefício oculto nesse entendimento. Joaquim é
funcionário público, mas o tio
Laerte, que "nunca soube o que
era trabalho", está em dificuldades financeiras. O médico poderia
futuramente amparar a empobrecida família quatrocentona.
O interesse se arma em sabermos se mana Maria vai ceder aos
apelos do pai, ao estratagema dos
tios, à vontade do galanteador.
Podemos ver que há um deslocamento de perspectiva. Mana Maria, a protagonista, é uma anti-heroína. Veste-se de modo masculinizado. Não é bonita nem simpática. Não procura contemporizar.
Não se deleita com o açucarado
romance francês: "Acho banal",
diz. Insinua-se que é "adepta das
idéias modernas, do futurismo".
Lê "livros comunistas" e não quer
se casar. Tia Carlota se exaspera:
"Mulher foi feita para casar".
Não julguemos mana Maria
uma feminista "avant la lettre".
Há muito de pudicícia em sua atitude. Ela se escandaliza quando
um homem lhe afaga a perna, no
cinema. Também há um desejo
de vingança contra os moços que
a desprezaram, pela desenxabidez, na adolescência.
Mana Maria representa um novo padrão de comportamento.
Desejava trabalhar, ser professora. A mãe a proibiu, pois moças de
sua classe só trabalhavam se "necessário". Voltou-se para o lar, comandando a economia da família
como uma empresária implacável. Após a morte da mãe, passou
a ditar normas. Fazia o que queria. E, com ela, ninguém podia.
Alcântara Machado ficou famoso pelos retratos dos imigrantes
italianos de baixa e média extração de "Brás, Bexiga e Barra Funda". Embora não lhe negue o talento, a crítica costuma atentar
para a condescendência do autor
com os ítalo-brasileiros. Alfredo
Bosi julga que há aí um "olhar de
fora" e que "o sentimental ou o
cômico fácil acabam por empanar
uma visão mais profunda e dinâmica das relações humanas (...)"
Ainda que possamos discordar
da posição de Bosi, é inegável que
Alcântara Machado se sente mais
à vontade descrevendo (e espicaçando) um setor da sociedade que
conhece bem, por dele fazer parte:
a alta burguesia paulista.
Podemos dizer que, em "Mana
Maria", há um olhar de dentro, vivenciado, crítico. Com poucas palavras, o autor capta contradições
intensas. E a atitude dos personagens deixa entrever subentendidos, inferências ocultas.
Um romance se faz com o que
vai expresso e pelo que não vai,
por aquilo que atrai múltiplos significados e se oferece a várias interpretações. "Mana Maria" representaria um "ponto de partida" na trajetória do autor, como
diz a pesquisadora Cecilia de Lara, não fossem as circunstâncias.
Alcântara Machado morreu aos
33 anos, antes de publicá-lo, deixando-nos órfãos de sua palavra.
(MARCELO PEN)
Mana Maria
Autor: Antônio de Alcântara Machado
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 12 (104 págs.)
Texto Anterior: Plágio em livro tira escritora de júri do Pulitzer Próximo Texto: Resenha da semana - Bernardo Carvalho: Afirmação da crítica Índice
|