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Gênero desafia lemas do pop industrial
DO ENVIADO A NAZARÉ DA MATA
O maracatu de baque solto até
parece, num primeiro golpe, uma
forma primitiva e rudimentar de
música. Conforme o freguês se
embrenha no canavial, entretanto, surgem surpresas daquelas de
dar aula de música e sabedoria à
indústria fonográfica nacional.
O maracatu é rígido, rigoroso e
dotado de todo um sistema de regras. A poética, apesar de ser em
geral intuitiva e inculta, exige habilidade e elaboração.
Segundo relata Siba, a partir da
chegada dos cantadores alfabetizados, houve uma hierarquização. O poeta que rima por oralidade -"cantador (cantadô)" e
"sou (sô)", por exemplo- tem o
"erro" cobrado pela comunidade.
O ineditismo também é exigido.
O mestre de maracatu tem de ser
autor dos versos que canta, e a cada apresentação é cobrado a oferecer novas composições. Também por isso Siba e Barachinha
desprezam os temas de domínio
público e compõem eles próprios
todo o material de "No Baque Solto Somente".
Está aí o paradoxo, se se pensar
na atual música popular de indústria. A sonoridade marcada do
maracatu é que faz pensar em limitação e redundância, mas, se
um artista de MPB viesse apresentar suas eternas releituras e reciclagens "ao vivo" num maracatu, seria vaiado no ato.
Embora se associe com ancestralidade, o baque solto reivindica
também constante atualidade em
suas crônicas musicais. Uma faixa
do CD de Siba e Barachinha se
chama "Clonagem" e satiriza o
desejo de divindade do homem
de ciência. Exala sabedoria popular que a indústria musical extirpou, por exemplo, do axé baiano.
Mas guarda em comum com o
samba da Bahia certa tendência à
agressividade dissimulada, que é
elemento constitutivo dos enfrentamentos em sambadas.
Seguindo os ditos populares,
chega a veicular preconceitos. Em
diversas ocasiões, os xingamentos
bem-humorados de parte a parte
levam Siba a tratar Barachinha de
"macaco". No duelo cordial de
"Samba Curto", ele "xinga" o colega repetidas vezes de travesti,
provocando risadas, mas também
reiterando mansas agressões contra a classe marginalizada. Siba
diz que é só brincadeira.
Em outro pólo, ele diverge da
hierarquização que desvaloriza os
poetas analfabetos. Veta versos
"errados" em suas composições,
mas dá livre expressão à oralidade
dos cantores de seu coro.
Em "Maria, Minha Maria", do
disco "Fuloresta do Samba", por
exemplo, deixa a imaginação intuitiva de Biu Roque voar. Nos
versos de domínio público "ô, que
noite tão preciosa/ não deve dormir quem ama", Biu Roque escapa do coro e canta "espreciosa"
em vez de "preciosa".
Misturando por intuição as
qualidades de "especial" e "precioso", Biu Roque mostra que a
fuga das regras se esconde dentro
das próprias regras -e dá lição à
indústria fonográfica que ele nem
sequer conhece.
(PAS)
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