São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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RUMOS DANÇA 2003

Mostra do Itaú mapeia as vibrações da criação no Brasil

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Rede de presenças, corrente de consciências, percepção dos intervalos: metáforas assim poderiam definir a Mostra Rumos Dança 2003 do Itaú Cultural, coordenada por Sonia Sobral. Ao longo da semana passada, foram vistas 14 coreografias ao vivo (de 415 escritas), 18 em vídeo e dois trabalhos de vídeo-dança premiados. Além disso, ocorreram debates, encontros e lançamentos de livros, e a atualização da base de dados, mapeando instituições, periódicos, festivais e produções da dança brasileira. A mostra seguirá para Belo Horizonte e Rio.
A diferença entre o mapa que se pode consultar no banco de dados (www.itaucultural.org.br) e o que se viu nos espetáculos já é sintomática do momento da dança no Brasil. Enquanto nesse arquivo se podem consultar informações de 60 cidades, na mostra foram apresentados trabalhos de apenas seis -BH, São Paulo, Curitiba, Rio, Uberlândia e Recife-, o que se justifica pela qualidade das obras, mas ressalta as dificuldades de produção no país.
Com o teatro sempre lotado, a temporada reuniu trabalhos de Gícia Amorim, Quik Cia. de Dança, Cia. Mário Nascimento, Cinthia Kunifas, Corpos Nômades, Wagner Schwartz, Thembi Rosa, Luiz de Abreu, Lívia Seixas e Sheila Arêas, Cristina Moura, Adriana Banana, Ana Catarina Vieira e Ângelo Madureira. Dois espetáculos foram apresentados na galeria Vermelho: um de Marta Soares e outro de André Vidal e Matheus Nachtergaele. A lista define a linha da mostra: dança contemporânea de pesquisa.
No "Corpo Desconhecido", de Cinthia Kunifas, um corpo é levado ao extremo, em contato com o ambiente (tentativa de manter os olhos sempre abertos, impossibilidade de engolir saliva etc.). Quase imóvel no palco, Kunifas encena comoções físicas de tremendo impacto. O corpo não chora por dentro, a despeito de tantas lágrimas. Não dramatiza nada para si. Mas nos leva a extremos de outra natureza, diante da dolorosa encarnação que se vê.
Outra revelação foi "O Samba do Crioulo Doido", de Luiz de Abreu, sátira bem-humorada do corpo transformado em objeto social. Uma bandeira do Brasil serve de cenário e figurino nessa crítica às formas de comercialização da "carne negra -a mercadoria mais barata", como canta Elza Soares.
Já o "Transobjeto" de Wagner Schwartz homenageia Hélio Oiticica, partindo da idéia de que, ao se nomear um objeto cotidiano como obra de arte, ele ganha outro sentido. Vestido de homem-cartaz, ou então nu, Schwartz acentua com graça o papel do público como legitimador da obra.
A mostra de vídeos parecia uma boa solução para divulgar o maior número de obras, mas na prática sofreu com o registro muitas vezes caseiro. Já os trabalhos de vídeo-dança, "Pé de Moleque" (Kiko Ribeiro e Dafne Michellepis) e "Dentro do Movimento" (Chico de Paula e Patrícia Werneck), articulam noutro plano a transposição da dança para esse suporte específico.
Que a Mostra Rumos é da maior importância para a dança brasileira não se disputa. Se a intensa programação acentuou diferenças de qualidade, também fez perceber distinções ricas de estilo e projeto. Só a presença de grande número de artistas e pesquisadores, nacionais e internacionais, já promove frutíferas redes de contato. Isso representa muito e justifica o evento, cujo mérito maior é fazer a dança vibrar na cidade por uma semana, com repercussões que se vai conhecer no que virá.


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