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RUMOS DANÇA 2003
Mostra do Itaú mapeia as vibrações da criação no Brasil
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Rede de presenças, corrente
de consciências, percepção
dos intervalos: metáforas assim
poderiam definir a Mostra Rumos Dança 2003 do Itaú Cultural,
coordenada por Sonia Sobral. Ao
longo da semana passada, foram
vistas 14 coreografias ao vivo (de
415 escritas), 18 em vídeo e dois
trabalhos de vídeo-dança premiados. Além disso, ocorreram debates, encontros e lançamentos de
livros, e a atualização da base de
dados, mapeando instituições,
periódicos, festivais e produções
da dança brasileira. A mostra seguirá para Belo Horizonte e Rio.
A diferença entre o mapa que se
pode consultar no banco de dados (www.itaucultural.org.br) e
o que se viu nos espetáculos já é
sintomática do momento da dança no Brasil. Enquanto nesse arquivo se podem consultar informações de 60 cidades, na mostra
foram apresentados trabalhos de
apenas seis -BH, São Paulo, Curitiba, Rio, Uberlândia e Recife-,
o que se justifica pela qualidade
das obras, mas ressalta as dificuldades de produção no país.
Com o teatro sempre lotado, a
temporada reuniu trabalhos de
Gícia Amorim, Quik Cia. de Dança, Cia. Mário Nascimento, Cinthia Kunifas, Corpos Nômades,
Wagner Schwartz, Thembi Rosa,
Luiz de Abreu, Lívia Seixas e Sheila Arêas, Cristina Moura, Adriana
Banana, Ana Catarina Vieira e
Ângelo Madureira. Dois espetáculos foram apresentados na galeria Vermelho: um de Marta Soares e outro de André Vidal e Matheus Nachtergaele. A lista define
a linha da mostra: dança contemporânea de pesquisa.
No "Corpo Desconhecido", de
Cinthia Kunifas, um corpo é levado ao extremo, em contato com o
ambiente (tentativa de manter os
olhos sempre abertos, impossibilidade de engolir saliva etc.). Quase imóvel no palco, Kunifas encena comoções físicas de tremendo
impacto. O corpo não chora por
dentro, a despeito de tantas lágrimas. Não dramatiza nada para si.
Mas nos leva a extremos de outra
natureza, diante da dolorosa encarnação que se vê.
Outra revelação foi "O Samba
do Crioulo Doido", de Luiz de
Abreu, sátira bem-humorada do
corpo transformado em objeto
social. Uma bandeira do Brasil
serve de cenário e figurino nessa
crítica às formas de comercialização da "carne negra -a mercadoria mais barata", como canta
Elza Soares.
Já o "Transobjeto" de Wagner
Schwartz homenageia Hélio Oiticica, partindo da idéia de que, ao
se nomear um objeto cotidiano
como obra de arte, ele ganha outro sentido. Vestido de homem-cartaz, ou então nu, Schwartz
acentua com graça o papel do público como legitimador da obra.
A mostra de vídeos parecia uma
boa solução para divulgar o maior
número de obras, mas na prática
sofreu com o registro muitas vezes caseiro. Já os trabalhos de vídeo-dança, "Pé de Moleque" (Kiko Ribeiro e Dafne Michellepis) e
"Dentro do Movimento" (Chico
de Paula e Patrícia Werneck), articulam noutro plano a transposição da dança para esse suporte específico.
Que a Mostra Rumos é da maior
importância para a dança brasileira não se disputa. Se a intensa
programação acentuou diferenças de qualidade, também fez perceber distinções ricas de estilo e
projeto. Só a presença de grande
número de artistas e pesquisadores, nacionais e internacionais, já
promove frutíferas redes de contato. Isso representa muito e justifica o evento, cujo mérito maior é
fazer a dança vibrar na cidade por
uma semana, com repercussões
que se vai conhecer no que virá.
Avaliação:
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