São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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Crítica/cinema/"A Pele"

Filme faz retrato equivocado de Diane Arbus

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em "A Pele", vida e obra de Diane Arbus (1923-1971) são reduzidas a um conto de fadas pouco inspirado. O diretor Steven Shainberg (de "Secretária") procurou oferecer uma visão pessoal para a arte de uma das mais interessantes fotógrafas americanas, mas conseguiu produzir apenas uma pretensiosa releitura de "A Bela e a Fera", situada em algum lugar entre a versão de Jean Cocteau e a dos estúdios Disney.
Ao tentar fugir do convencionalismo das cinebiografias, Shaingerg caiu em outros, talvez mais graves. Logo no subtítulo do filme e nas cartelas iniciais, o diretor avisa que fez um "retrato imaginário", ou seja, um devaneio ficcional inspirado na vida e na obra da fotógrafa. Em nenhum momento ele apela para o fatídico "baseado em fatos reais" que costuma carimbar cinebiografias com uma suposta autenticidade -mas essa opção arriscada, por si só, não salva o filme.
"A Pele" imagina a gênese da artista, concentrando-se no período que antecedeu a consolidação de seu estilo. Vemos Diane Arbus jovem (interpretada por Nicole Kidman), ainda casada com o fotógrafo Allan Arbus (Ty Burrell), trabalhando como sua assistente na produção de fotos publicitárias glamourosas e kitsches, realizadas dentro de sua casa-estúdio. O "outro lado da América" lhe é apresentado por um vizinho, o fantasioso Lionel Sweeney (Robert Downey Jr.), que sofre de uma doença cruel: seu corpo é todo coberto de pêlos, como o de um lobisomem. Aos poucos, Arbus mergulha no universo de Sweeney -um cenário colorido e circense, muito distante do preto-e-branco de Arbus- e se distancia de sua família.
Essa escolha pela fabulação assumida não torna o filme mais "verdadeiro". Em plena América dos anos 60, Arbus fotografou anões, gigantes, pessoas com defeitos físicos. O surpreendente é que não havia um caráter piedoso ou de exploração em seu olhar. Arbus não enxergava "feras"; sua lente não penetrava "o outro lado do espelho", como uma Alice que descobre um mundo fantástico -e como o filme pretende sugerir.
O olhar de Arbus é algo muito mais misterioso, que talvez estivesse perpassado por uma identificação profunda com a diferença. Toda a beleza e o mistério de seu trabalho escapam completamente à visão de Shainberg.
Ainda ficamos na espera, portanto, de que Diane Arbus ganhe um filme à altura de suas fotografias, líricas, perturbadoras, fascinantes.


A PELE  
Direção: Steven Shainberg
Produção: EUA, 2006
Com: Nicole Kidman, Robert Downey Jr. e Ty Burrell
Quando: estréia hoje nos cines Bristol, Unibanco Arteplex, Kinoplex Itaim e circuito


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