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É TUDO VERDADE
Capital iraquiana ambienta documentário sobre pianista canastrão e outro sobre ocupação estrangeira
Filmes exploram riqueza humana de Bagdá
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A cidade de Bagdá é a soma do
noticiário impessoal com as histórias individuais dos que vivem
dentro dela. Dois bons documentários permitem conferir a capital
iraquiana por meio da riqueza de
seus dramas humanos.
"O Liberace de Bagdá" narra
um pouco de Samir Peter, um
pianista canastrão que já passou
dos 60, especialista em blues e sucesso há três décadas nas casas
noturnas locais. Produzido pela
BBC e dirigido por Sean Mcallister, foi Prêmio Especial do Júri no
último Festival de Sundance.
O segundo documentário, "Sobre Bagdá", é uma produção americo-iraquiana de um coletivo de
cinco cineastas que monta um
mosaico de curtas entrevistas
com personagens depositários de
sofrimento e indignação.
Ambos foram rodados nos meses que se seguiram à deposição
de Saddam Hussein e à ocupação
do Iraque pelos americanos. Têm
a plasticidade mórbida das ruínas
e o cheiro quente de pólvora.
O pianista Samir Peter é encantador por ser um homem comum.
Transpira misoginia pelos poros
-é separado da mulher médica,
que se exilou nos EUA, e discorre
com desenvoltura sobre suas
aventuras amorosas ("no mínimo
três novas mulheres por mês").
Tem pouco a ver com o real Liberace (1919-1987), pianista gay e de
trejeitos efeminados.
Peter, com um cigarro constantemente aceso no canto dos lábios, exilou-se dentro de seu próprio país ao se tornar involuntariamente o representante de uma
estética musical do "inimigo"
-Iraque e EUA se enfrentaram
na Guerra do Golfo, em 1991.
De um artista que ganhava US$
10 mil mensais, passou a tocar por
uns trocados para os comensais
de um grande hotel, que lhe cede
um quartinho do sótão, em que
ele dorme para evitar os atentados
noturnos da insurgência.
Dois de seus filhos adultos ainda moram em Bagdá. Ele os visita
no casarão que já foi seu. Por
meio dos filhos, se relaciona com
o bairro. Um atentado matou a vizinha que viu crescer. Um carro-bomba explodiu diante da igreja
católica que ele -integrante dessa minoria de 600 mil iraquianos- freqüentava quando moço.
"Sobre Bagdá" é um documentário mais dinâmico, com depoimentos curtos e um mostruário
das reações locais à ocupação estrangeira. Uma professora de música lamenta o bombardeio americano do Instituto de Belas Artes
e o incêndio que destruiu os 30
mil volumes de sua biblioteca.
Um funcionário do Ministério do
Petróleo aponta para o prédio e
comenta: "É isso aqui que os americanos querem".
Nesse mosaico de testemunhos,
há crianças desidratadas em hospitais desabastecidos de medicamentos. Há xiitas que relatam um
malogrado atentado contra Saddam, em 1982. Há o fatalismo em
torno da corrupção: "Mesmo que
os americanos fiquem com a metade, é melhor que Saddam, que
ficava com 95%". Há, no entanto,
um denominador comum nesses
depoimentos: os entrevistados
não crêem que a soberania nacional seja o preço a ser pago aos
EUA pela queda do ex-ditador.
O Liberace de Bagdá
Direção: Sean Mcallister
Quando: hoje, às 19h, no Cinesesc (r.
Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3082-0213)
Sobre Bagdá
Direção: Sinan Antoon, Bassam Haddad,
Maya Mikdashi, Suzy Salamy e Adam Shapiro
Quando: hoje, às 20h, no MIS (av.
Europa, 158, tel. 0/xx/11/3062-9197)
Quanto: entrada franca
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