São Paulo, segunda-feira, 09 de abril de 2007

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Rosselini retrata santo com vigor

Em "Santo Agostinho", lançado agora em DVD, o "pai de todos os cineastas" seduz pela beleza das coisas em grande filme

Produção feita para a TV mostra faceta criativa do diretor, se contrapondo às imposições luxuosas do mundo do espetáculo


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Enquanto seus colegas se dedicavam, nos anos 60 e 70 do século passado, a consagrar o cinema italiano como um dos mais criativos e conseqüentes do mundo, Roberto Rossellini explorava outro campo, o da TV.
Rossellini, "pai de todos" do cinema italiano, não achava correto o rumo que a indústria impunha à arte: ela se tornara um ramo do mundo do espetáculo. Tornara-se cara, luxuosa, desnecessariamente perigosa (o perigo do fracasso).
Na TV, podia endereçar-se a todos os espectadores, dar seqüência à sua idéia de cinema como arte democrática, aberta a todos. Ninguém pense, por isso, que ele estava disposto a fazer concessões: a idéia de filmar para a televisão (estatal, é necessário precisar) permitia-lhe, justamente, não fazer as concessões comerciais que outros tinham de fazer para conquistar o público.
Tomemos seu "Santo Agostinho", de 1972. Quem se interessa pelo personagem? Um santo do século 4, ainda que com reputação de sábio e alguns livros clássicos, ainda que com muita influência na vida espiritual do Ocidente, até hoje não chega a ser um assunto para multidões.
Rossellini pouco se importa com isso. Primeiro, nos seduzirá pela beleza. Não essa beleza que vem do desejo de "fazer bonito". A beleza vem das coisas, não da filmagem. Nesse sentido, certas imagens fazem lembrar as de Pier Paolo Pasolini, seu ilustre discípulo.
Em segundo lugar, Rossellini trata Agostinho e sua época com rigor. Lá está ele, a partir do momento em que é elevado a bispo de Hipona, na África. É um momento de paixões: ao lado dos cristãos, há os hereges (são mencionados com insistência os donatistas, sejam quem forem) e os pagãos com quem tratar. Há um Império Romano em decadência, assaltado por bárbaros, e o risco de a culpa cair nos cristãos.
Esse momento Rossellini ilustra com frieza, apenas expondo com a maior exatidão possível a infatigável busca do bispo para impor a sabedoria num mundo convulsionado, em crise, em que as verdades absolutas tendem a ser varridas por meias-verdades ou oportunismos vários.
Ao falar de Agostinho de Hipona com tanto rigor e vigor, Rossellini não deixa de se endereçar, no entanto, ao mundo cheio de meias-verdades da atualidade. Ele não tem uma mensagem para nós. Agostinho é que tem. Rossellini cala para que o santo fale. Limita-se a mostrar. É o que fazem os grandes cineastas. Daí resulta um filme grande e raro.


SANTO AGOSTINHO
Distribuidora:
Versátil (R$ 39,90)
Avaliação: ótimo


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