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Rosselini retrata santo com vigor
Em "Santo Agostinho", lançado agora em DVD, o "pai de todos os cineastas" seduz pela beleza das coisas em grande filme
Produção feita para a TV mostra faceta criativa do diretor, se contrapondo às imposições luxuosas do mundo do espetáculo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Enquanto seus colegas se
dedicavam, nos anos 60
e 70 do século passado,
a consagrar o cinema italiano
como um dos mais criativos e
conseqüentes do mundo, Roberto Rossellini explorava outro campo, o da TV.
Rossellini, "pai de todos" do
cinema italiano, não achava
correto o rumo que a indústria
impunha à arte: ela se tornara
um ramo do mundo do espetáculo. Tornara-se cara, luxuosa,
desnecessariamente perigosa
(o perigo do fracasso).
Na TV, podia endereçar-se a
todos os espectadores, dar seqüência à sua idéia de cinema
como arte democrática, aberta
a todos. Ninguém pense, por isso, que ele estava disposto a fazer concessões: a idéia de filmar para a televisão (estatal, é
necessário precisar) permitia-lhe, justamente, não fazer as
concessões comerciais que outros tinham de fazer para conquistar o público.
Tomemos seu "Santo Agostinho", de 1972. Quem se interessa pelo personagem? Um santo
do século 4, ainda que com reputação de sábio e alguns livros
clássicos, ainda que com muita
influência na vida espiritual do
Ocidente, até hoje não chega a
ser um assunto para multidões.
Rossellini pouco se importa
com isso. Primeiro, nos seduzirá pela beleza. Não essa beleza
que vem do desejo de "fazer bonito". A beleza vem das coisas,
não da filmagem. Nesse sentido, certas imagens fazem lembrar as de Pier Paolo Pasolini,
seu ilustre discípulo.
Em segundo lugar, Rossellini
trata Agostinho e sua época
com rigor. Lá está ele, a partir
do momento em que é elevado
a bispo de Hipona, na África. É
um momento de paixões: ao lado dos cristãos, há os hereges
(são mencionados com insistência os donatistas, sejam
quem forem) e os pagãos com
quem tratar. Há um Império
Romano em decadência, assaltado por bárbaros, e o risco de a
culpa cair nos cristãos.
Esse momento Rossellini
ilustra com frieza, apenas expondo com a maior exatidão
possível a infatigável busca do
bispo para impor a sabedoria
num mundo convulsionado,
em crise, em que as verdades
absolutas tendem a ser varridas
por meias-verdades ou oportunismos vários.
Ao falar de Agostinho de Hipona com tanto rigor e vigor,
Rossellini não deixa de se endereçar, no entanto, ao mundo
cheio de meias-verdades da
atualidade. Ele não tem uma
mensagem para nós. Agostinho
é que tem. Rossellini cala para
que o santo fale. Limita-se a
mostrar. É o que fazem os grandes cineastas. Daí resulta um
filme grande e raro.
SANTO AGOSTINHO
Distribuidora: Versátil (R$ 39,90)
Avaliação: ótimo
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