São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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CINEMA

Crítica/"Katyn"

Wajda vai além dos fatos ao reviver tragédia

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Nascido e criado sob as sombras trágicas da história (a do século 20 europeu e a da Polônia, em particular), o cinema de Andrzej Wajda tratou, desde sua emergência há mais de meio século, de enunciar não ditos, de permitir ouvir os lamentos de uma nação massacrada, antes pela invasão nazista, depois pelo poder comunista.
"Katyn" completa, portanto, um percurso iniciado com a trilogia "Geração" (1955), "Kanal" (1957) e "Cinzas e Diamantes" (1958), na qual o diretor, hoje com 83 anos, narrava episódios da resistência da juventude polonesa ao nazismo e anunciava seu programa de encenar a resistência como ideal estético e modo de identidade política do país, então já sob outro regime invasor e totalitário.
Tal como se consolidou em sua obra, Wajda não se resume em "Katyn" à reconstituição do fato -o massacre, determinado por Stálin, de mais de 20 mil poloneses por forças russas em 1940. A tragédia sempre foi vivida na memória, inclusive pelo diretor, cujo pai foi morto no massacre, mas sua responsabilidade esteve por muito tempo mascarada, já que o regime soviético transferiu a culpa aos alemães ao acabar a guerra e a onda stalinista se apropriou do Estado polonês (troca que evidencia que os métodos genocidas eram os mesmos).
Wajda propõe, sobretudo, uma interpretação do genocídio sob a ótica distorcida dos vivos, de quem, primeiro, perdeu amigos e familiares e, depois, a possibilidade de encontrar paz na Justiça. Nesses personagens, ele projeta sua concepção do destino polonês no século 20, uma nação sob disputa e nunca ao alcance dos cidadãos.
Não é necessário enfatizar que estamos diante de vítimas, e o diretor nos conduz pela dor optando por formas sóbrias, que nos permitam experimentar o lamento: interpretações contidas de grandes atores, acordes sombrios da trilha magistral de Krzysztof Penderecki e cores invernais na imagem.
Esse esforço de contenção "Katyn" poderia ser confundido com o cinema acadêmico, que se esgota na satisfação da demanda por fidelidade. No entanto, a intensidade com que o filme repercute na memória do espectador atesta que não.


KATYN

Produção: Polônia, 2007
Direção: Andrzej Wajda
Com: Maja Ostaszewska, Artur Zmijewski
Onde: estreia hoje nos cines Bombril, Espaço Unibanco Augusta e Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: bom



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