|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Crítica/"Katyn"
Wajda vai além dos fatos ao reviver tragédia
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Nascido e criado sob as
sombras trágicas da
história (a do século
20 europeu e a da Polônia, em
particular), o cinema de Andrzej Wajda tratou, desde sua
emergência há mais de meio século, de enunciar não ditos, de
permitir ouvir os lamentos de
uma nação massacrada, antes
pela invasão nazista, depois pelo poder comunista.
"Katyn" completa, portanto,
um percurso iniciado com a trilogia "Geração" (1955), "Kanal"
(1957) e "Cinzas e Diamantes"
(1958), na qual o diretor, hoje
com 83 anos, narrava episódios
da resistência da juventude polonesa ao nazismo e anunciava
seu programa de encenar a resistência como ideal estético e
modo de identidade política do
país, então já sob outro regime
invasor e totalitário.
Tal como se consolidou em
sua obra, Wajda não se resume
em "Katyn" à reconstituição do
fato -o massacre, determinado
por Stálin, de mais de 20 mil
poloneses por forças russas em
1940. A tragédia sempre foi vivida na memória, inclusive pelo
diretor, cujo pai foi morto no
massacre, mas sua responsabilidade esteve por muito tempo
mascarada, já que o regime soviético transferiu a culpa aos
alemães ao acabar a guerra e a
onda stalinista se apropriou do
Estado polonês (troca que evidencia que os métodos genocidas eram os mesmos).
Wajda propõe, sobretudo,
uma interpretação do genocídio sob a ótica distorcida dos vivos, de quem, primeiro, perdeu
amigos e familiares e, depois, a
possibilidade de encontrar paz
na Justiça. Nesses personagens, ele projeta sua concepção
do destino polonês no século
20, uma nação sob disputa e
nunca ao alcance dos cidadãos.
Não é necessário enfatizar
que estamos diante de vítimas,
e o diretor nos conduz pela dor
optando por formas sóbrias,
que nos permitam experimentar o lamento: interpretações
contidas de grandes atores,
acordes sombrios da trilha magistral de Krzysztof Penderecki
e cores invernais na imagem.
Esse esforço de contenção
"Katyn" poderia ser confundido com o cinema acadêmico,
que se esgota na satisfação da
demanda por fidelidade. No entanto, a intensidade com que o
filme repercute na memória do
espectador atesta que não.
KATYN
Produção: Polônia, 2007
Direção: Andrzej Wajda
Com: Maja Ostaszewska, Artur
Zmijewski
Onde: estreia hoje nos cines Bombril, Espaço Unibanco Augusta e
Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: bom
Texto Anterior: Artista se irrita com jornalistas Próximo Texto: Cinema/Crítica/"Território Restrito": Com mão pesada, diretor tenta criar mosaico sobre imigração Índice
|