|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA ESTRÉIAS
"Inimigo do Estado" é thriller frio e pré-fabricado
THALES DE MENEZES
da Reportagem Local
"Inimigo do Estado", novo filme
estrelado por Will Smith e pelo veterano Gene Hackman, é um eficiente thriller de espionagem. Com
ação contínua, prende o espectador na poltrona e... Ei! Espere um
pouco. Não é bem assim. Alguma
coisa deu errado no filme, e não é
muito simples de explicar.
O espectador exigente vai perceber o problema, mas é difícil para o
crítico colocá-lo no papel. Até porque, no papel, "Inimigo de Estado"
é um filmaço. Reúne uma boa história, um astro na crista da onda (o
rapper Will Smith, de "Homens de
Preto"), um veterano de prestígio
inatacável (Gene Hackman, que dá
credibilidade a qualquer produção) e um diretor competente
(Tony Scott, uma versão "feijão
com arroz" do irmão mais brilhante e inovador, Ridley).
No entanto, o filme nega fogo no
quesito mais importante: emoção.
Tudo é meticulosamente preparado para fazer sucesso, do sapato
que Will Smith usa até a escolha de
um tema querido entre os cinéfilos
-a luta desigual de um indivíduo
enfrentando o sistema opressor.
Mas tudo é tão preparado que a
emoção é falsa, não é orgânica.
Trata-se de um filme pré-fabricado. A sucessão de cenas de ação são
mecânicas. O filme não dá chance
ao espectador, que não consegue
se envolver com o personagem
principal. Sem essa ligação, fica difícil de torcer.
O filme é vítima da situação absurda imposta hoje em Hollywood.
Investindo dezenas de milhões de
dólares em produções que não podem falhar na bilheteria, os homens do dinheiro querem "garantia" de sucesso. Como não dá para
convencer os sujeitos de que não
existe isso no ramo do entretenimento, e ninguém contraria alguém com dezenas de milhões de
dólares no bolso, foi criada uma
"checagem" do potencial de cada
filme.
Daí surgiram as sessões prévias
para convidados. Esses espectadores respondem a um questionário
exaustivo, que pergunta até o que
eles acharam dos penteados dos
atores coadjuvantes. Com os resultados na mão, os produtores ordenam mudanças para consertar o
que não foi bem avaliado pela turma.
Patrocinadores
Qualquer cineasta está hoje sujeito a essa humilhação. Bem, exceto Steven Spielberg. Mas até James
Cameron, na fase anterior a "Titanic", passou pela prova. E Tony
Scott também não é exceção.
Seu "Inimigo de Estado" sofreu
mudanças impostas pelas pesquisas e, pior, teve a intervenção direção dos inúmeros patrocinadores
que colocaram seus produtos no
filme e quiseram zelar pela imagem deles.
Por contrato, nenhum aparelho
poderia apresentar defeito na tela.
Com toda essa preocupação com
espectadores e patrocinadores, o
diretor, o roteirista e os atores não
têm muito espaço para reclamar.
Will Smith, rapper de muito sucesso e ator conhecido nacionalmente nos EUA desde a série "The
Fresh Prince of Bel-Air", veio do
estrondoso estouro de bilheteria
de "Homens de Preto" e brigou
muito com a produção de "Inimigo de Estado". Saiu reclamando do
trabalho, dizendo que não gostaria
de fazer filmes com orçamentos
tão grandes. "Muito dinheiro dá
muito trabalho", disse Smith. Declaração esquisita para alguém que
recebeu US$ 15 milhões pelo papel.
Smith interpreta um advogado
que, sem querer, é testemunha de
um crime. Disposto a eliminar a
evidência, agentes do governo cercam o sujeito de todas as maneiras,
vigiando sua casa, cancelando seus
cartões de crédito e, lógico, tentando matá-lo de uma vez.
Há tentativas de tornar o personagem mais "humano", criando
até uma crise conjugal que ele tenta abafar enquanto foge de agentes
treinados para matar. Mas o esforço não dá resultado. A maior preocupação é enfileirar na tela um
bando de produtos tecnológicos de
última geração. Os agentes usam
uma parafernália de deixar a equipe de "Truman Show" chupando o
dedo.
Referência a Coppola
A presença de Gene Hackman
tem um motivo especial. Mais do
que um ator, ele é uma referência.
"Inimigo do Estado" tenta prestar
homenagem a "A Conversação",
obra-prima dirigida por Francis
Ford Coppola em 1974, estrelada
pelo mesmo Hackman. Nos dois
filmes, o personagem principal está envolvido com aparelhos que
permitem a invasão de privacidade
do indivíduo.
Há 25 anos, Hackman espionava.
Agora, Smith é espionado. No filme de Coppola, transbordava da
tela a discussão sobre a paranóia,
com um final perturbador. Agora,
tudo só tem serventia para algumas cenas de ação, umas piadinhas
de Smith e a propaganda de aparelhos eletrônicos.
Poucos filmes deixaram tão explícitas as cenas de merchandising
quanto este. A ponto de estarem
espalhados pela cidade outdoors
que mostram Smith, Hackman e o
novíssimo celular de uma grande
empresa, que vende seu produto
como uma das estrelas do filme.
E o cinema, como fica?
E a arte, como fica?
Avaliação:
Filme: Inimigo do Estado
Produção: EUA, 1988
Direção: Tony Scott
Com: Will Smith, Gene Hackman
Quando: a partir de hoje, nos cines Interlar
Aricanduva 3, SP Market 9, Metrô Tatuapé 1,
Paulista 2, Lar Center 2 e circuito
Texto Anterior: Evento: João Ubaldo Ribeiro dá palestra na Folha Próximo Texto: "Kundun": Fábula de Scorsese sintoniza crença e cinefilia Índice
|