São Paulo, Sexta-feira, 09 de Abril de 1999
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Paixão Perdida


25º longa de Walter Hugo Khouri, que estréia hoje, mostra insólito triângulo entre homem, filho e enfermeira


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Walter Hugo Khouri, 69, é um caso raro de carreira longa, contínua e coerente no cinema brasileiro. "Paixão Perdida", que entra hoje em cartaz, é o 25º longa-metragem de uma obra iniciada em 1953, com "O Gigante de Pedra".
O novo filme conta uma história simples. O garoto Marcelinho (Fausto Carmona), filho do eterno alter ego do cineasta, o empresário Marcelo Rondi (Antonio Fagundes), está paralítico e em estado catatônico desde a morte da mãe (Maitê Proença).
Anna (Mylla Christie), enfermeira contratada para cuidar do menino, acaba encantando, de modos diversos, o filho e o pai, formando assim um insólito triângulo.
Khouri falou à Folha sobre o filme.

Folha - "Paixão Perdida" retoma temas permanentes seus -a insatisfação amorosa, a solidão, a descoberta do sexo-, mas desta vez tratados de modo mais depurado e concentrado: muito poucos personagens, muito poucos eventos. Você vê esse filme como uma síntese de trabalhos anteriores?
Walter Hugo Khouri -
Acho que sim. Não fico examinando muito o que fiz. Mas acho que é sinal de um pouco de maturidade o fato de a gente ver que as coisas, essencialmente, são aquelas.
Gosto muito de "Paixão Perdida" porque acho que é um filme muito sincero.
Folha - Há no filme uma tensão entre o desejo e a paz, o movimento e o repouso...
Khouri -
Bem observado. A gente vive nisso, nessa oscilação entre as duas coisas, não é? Não é que eu pense: "Vou fazer isso para representar tal coisa". Mas o filme acaba mostrando o que eu penso.
Folha - É um filme meio zen.
Khouri -
É para ser zen mesmo. É a maturidade da gente, né? Só que o Brasil é um país difícil para fazer essas coisas. O que eu faço vai na contramão de tudo o que se faz no cinema. Fico besta de pensar como é que eu ainda faço cinema.
Folha - Você se sente solitário no cinema nacional?
Khouri -
Em certo sentido, sim. Mas não me queixo, não quero assumir o papel de herói. Foi difícil persistir num tipo de filme num país em que as pessoas vão muito atrás de novidades, de modas. O Brasil é muito autodestrutivo. O importante é que fiz os filmes que saíram de mim.
Folha - Em "Paixão Perdida" a influência japonesa é mais visível: nos enquadramentos, no ritmo, na composição.
Khouri -
Assisti a muitos filmes japoneses. A gente ia ao bairro oriental da Liberdade, comia num restaurante japonês, via um ou dois filmes, era uma integração, uma dose de cultura japonesa. Para mim, era um ritual.
Quanto à influência sobre o meu trabalho, eu nem sinto. É uma coisa que foi incorporada subjetivamente, mas reconheço que este filme tem muita influência japonesa.
Folha - Seu cinema parece mais próximo do estilo contemplativo de Ozu do que do clima trágico de Mizoguchi.
Khouri -
Sem dúvida. O Ozu é um dos grandes cineastas do mundo. Eu esperava ansiosamente cada filme dele que vinha para cá.
Folha - No "press book" de "Paixão Perdida" você fala da tristeza do filme e de um certo pessimismo. Mas o desfecho é quase uma revelação, uma conquista da sabedoria e da serenidade.
Khouri -
É verdade. É um filme muito zen. "Pessimismo" seria só no sentido comum, de não ter um final feliz. Eu não sou pessimista, apesar de o mundo ser algo que nos induz ao pessimismo.
Folha - Vera Fischer iria interpretar a mãe, mas o papel ficou com Maitê Proença. Isso mudou a concepção do filme?
Khouri -
Acho que a Maitê tem um tipo mais espiritualizado que a Vera, tem uma mistura ótima entre espiritualidade e sensualidade. A Vera era mais pesada para isso. A Maitê foi formidável. Até quero ver se trabalho com ela de novo.
Folha - Você é reconhecido como o cineasta que trabalhou com as atrizes mais lindas do cinema brasileiro. Você sempre as escolheu ou foram impostas pela produção?
Khouri -
Sempre eu que escolhi. Sempre fiz os filmes que eu quis, embora às vezes tenha sofrido injunções de orçamentos apertados, ou do cafajestismo de alguns produtores. Trabalhei com produtores vira-latíssimos, que forçaram às vezes a nudez e o aspecto erótico das histórias, para faturar mais.
Quanto às atrizes, nunca as escolhi só pela beleza. Eu buscava sempre alguma essência nelas, alguma coisa que tivesse a ver com o filme.
Folha - "Paixão Perdida", aliás, é um dos seus filmes com menos nudez e cenas de sexo.
Khouri -
É a coisa dos produtores. Quase todo produtor brasileiro é meio vira-lata, e sempre havia alguma pressão para que as atrizes tirassem a roupa. Nesse último filme tive mais autonomia.
Folha - Fale um pouco sobre "Luz", seu novo projeto de longa.
Khouri -
Há muito quero fazer esse filme. Como sempre, o roteiro é meu. Como o próprio nome diz, é um filme meio místico. É sobre uma mulher com uma sublimação meio mística.
Queira ter a Maitê Proença no papel principal. Cheguei a pensar em chamar uma atriz de fora, como Irene Jacob ou Cristiana Reali, mas achei que uma atriz internacional abre portas, mas também traz dor de cabeça e custa caro.
Sempre consegui filmar, mesmo nos momentos mais difíceis, porque optei por modelos de produção simples e baratos. Com isso, eu ganho em liberdade.


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