São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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Promessas de mudanças e de nova vida garantem a proliferação e o sucesso dos "reality shows"

TransTV

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Você anda se sentindo infeliz? Gostaria de mudar sua vida? Em outros tempos, livros de auto-ajuda, dietas e remédios prometeriam soluções rápidas. Hoje, os "reality shows" são os produtos populares que mais alimentam as promessas de mudança radical, obsessão de quase todo mundo.
Basta dar uma zapeada para conferir. Uma contagem rápida revela que "apenas" 26 desse tipo de programa hoje na TV brasileira se baseiam na mesma idéia.
Em vez do criticado voyeurismo, que seria a base do sucesso dos "reality", é a metamorfose o eixo que sustenta o interesse. Afinal, neles se realiza a nova utopia: qualquer um pode se transformar no que quiser -seja com um novo corpo, uma nova personalidade ou até uma nova casa.
Nesses "reality", há desde a história da mulher que se acha feia e "ganha" um novo corpo ("Extreme Makeover") até o dançarino que se torna um lutador ("Tudo É Possível"), sem esquecer os zés-ninguém que se trancam numa casa e depois de 12 semanas tornam-se "celebridades" ("Big Brother"). A influência alcança até as novelas, como a capenga "Metamorphoses" (Record), que louva as maravilhas da plástica.
"Os "reality" têm de ser dramáticos, senão ninguém irá se interessar. Para isso, é dado aos participantes o desafio de tentar se transformar de alguma maneira, mas criando obstáculos", diz Stephen Lambert, criador de "Tudo É Possível" ("Faking It", do britânico Channel 4) -em que um participante torna-se especialista em uma área na qual seja leigo.
Dois novos "reality" tornam as transformações mais explícitas. Inéditos no Brasil, os americanos "I Want a Famous Face" e "The Swan" trazem pessoas que fazem cirurgias para ficarem "belas".
"Os "reality" têm muito a ver com mudanças, e não só com voyeurismo; eles oferecem não apenas dinheiro, mas sim uma "experiência" -retratada como benéfica", diz Mark Andrejevic, professor de comunicação da Universidade de Iowa (EUA) e autor do livro "Reality TV". A maioria desses "reality" aponta para mudanças comportamentais, chegando a reforçar estereótipos. É o caso de "Queer Eye for the Straight Guy", em que gays ensinam supostas boas maneiras a um heterossexual; ou "Esquadrão da Moda". Neles, sugere-se que uma pessoa pode ser bem-sucedida apenas com uma mudança no visual.
"Esses programas atraem participantes porque não há na sociedade, e nunca haverá, condições para que todos "existam" e se "transformem" tal e tanto quanto a sociedade insiste em dizer (...) que se deve fazer e que é bom fazer", diz Teixeira Coelho, escritor e professor titular da Escola de Comunicação e Artes da USP. "Sem sonho de transformação o ser humano é inconcebível."
Já os representantes locais do maior fenômeno do gênero, "Big Brother", acreditam que não há tal tendência. Para o diretor do "BBB", J.B. de Oliveira, o Boninho, "nem todo o formato segue essa linha". "Eles são mais baseados em "experimentações" e aí transformados em shows. (...) O problema é que o gênero proporciona muitos formatos e os de transformação estão proliferando, chegando a exageros." A diretora-geral da Endemol [empresa criadora do "BB"] Globo, Carla Affonso, diz que nesses shows "pode-se realizar fantasias, como "eu poderia estar nessa situação'".
A julgar pelo resultado de "Famous Face", a transformação nem sempre é bem-sucedida -os adolescentes espinhudos de um dos episódios, que sonhavam em se tornar parecidos com Brad Pitt, conseguiram, no máximo, o corte de cabelo do ídolo.


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