São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2007

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Em novo disco, Björk sai de seu mundo

"Volta", sexto álbum de estúdio da islandesa, contém colaborações com o produtor Timbaland e com o cantor Antony

Em entrevista, a cantora conta sobre o processo de gravação do CD, que deve ser lançado no Brasil na próxima semana


Bronimir Kvartuc - 27.abr.2007/Associated Press
Björk no festival Coachella, nos EUA, em abril último


JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"

"Li na internet que eu estava fazendo um álbum de hip hop com Timbaland", disse Björk, com uma risadinha. Timbaland, o produtor cujas batidas fragmentadas vêm movendo alguns dos melhores trabalhos de hip hop atuais, colaborou com Björk em três canções de "Volta", o primeiro CD de canções mais ou menos pop dela desde "Medúlla" (2004). Mas, como Björk é Björk, "Volta" não é um álbum de hip hop.
Björk, 41, descreve "Volta" como "vudu tecno", "pagão", "tribal" e "extrovertido". Esses termos não chegam a resumir um álbum que mistura batidas programadas, tambores de free jazz, conjuntos de metais sombrios, música africana, um alaúde chinês e a volátil voz de Björk. É uma fusão própria do século 21 do computadorizado e do feito à mão, do pessoal e do global. "Essa intranqüilidade implacável me libera", canta em "Wanderlust", que descreve como o manifesto do álbum.
"Me sinto em casa sempre que o desconhecido me cerca."
A música de "Volta" é mais concreta que a de "Medúlla", seu álbum quase inteiramente vocal, e "Vespertine" (2001), repleto de harpas e cordas etéreas. Ela é interligada pelos instrumentos de metal que Björk usou na trilha que criou em 2005 para "Drawing Restraint 9", filme de seu marido, o artista multimídia Matthew Barney (que será exibido no dia 19, no festival Resfest, em SP).
Björk disse que ouviu mais possibilidades do que poderia usar no filme. "Volta" marca seu reencontro com uma batida forte, em algumas canções. "É como se eu tivesse conseguido meu corpo de volta, todos os músculos, o sangue e os ossos."
"Volta" não visa nenhum formato conhecido. Embora algumas canções aterrissem com batidas de tambores e ganchos de sintetizadores, outras são rapsódicas e estranhas. Björk canta sobre viagens, paixão, natureza, religião e uma mulher-bomba. Para este álbum, falou, ela estava decidida a ser "impulsiva". "Não comecei com uma regra musical -foi mais uma emoção", disse ela.
Como é o caso de boa parte da música de Björk desde sua estréia solo, com "Debut" (93), "Volta" atrela tecnologia a uma individualidade acirrada. Nenhuma compositora é capaz de soar tão ingênua e instintiva, ao mesmo tempo em que ergue estruturas tão complexas.

Ambições
Björk desconfia da palavra "pop", não vende suas canções a anunciantes nem aceita patrocínios para suas turnês. "Não quero ser conquistadora do mundo nem a pessoa mais famosa do planeta. Não tenho ambições nesse sentido. Se tivesse, acho que teria feito as coisas de maneira diferente."
Mas ela curte atingir um público grande. "Seria fácil demais me afastar disso e dizer "vou criar apenas alguns objetos que apenas poucas pessoas, blablablá...'", diz. "Isso é pretensão e esnobismo."
"Acredito naquele lugar em que você se conecta com o "zeitgeist", a consciência coletiva ou seja lá o que for. É uma coisa muito folk, da alma. Não materialista. Acredito em ser combatente nesse lugar da alma."
Björk criou "Medúlla" e "Vespertine" principalmente em casa, enquanto cuidava de Isadora, sua filha que agora tem 4 anos. "Estava amamentando, e organizei meu trabalho em torno disso", contou. "Apesar de eu ter muitos colaboradores, eles vinham passar uma tarde, tomar um chá, e iam embora.
Eles vinham visitar meu universo. Quando comecei a fazer este álbum, me senti um pouco sufocada por estar vivendo demais dentro da proteção de meu próprio mundo. Era hora de criar coragem e sair."
Björk gravou "Volta" em estúdios nos três lugares onde vive -Nova York, Londres e Reykjavík- e também viajou para San Francisco, Jamaica, Malta, Mali e Tunísia. Começamos a ouvir "Earth Intruders", o som de pés marchando, logo dominado pela percussão, sintetizadores e a voz de Björk clamando "Tumulto! Carnificina!". A batida vem do produtor americano Timbaland, um fã de longa data de Björk que no ano passado começou a colaborar com ela.
"Entrei no estúdio com Timbaland sem nada preparado. Geralmente eu já teria escrito a canção, e haveria apenas um pequeno espaço para o visitante. Mas agora eu queria algum desafio. Passamos um dia improvisando, e eu fui cantando em cima do que ele fazia."

Confiança
As batidas de Timbaland acabaram por entrar em "Earth Intruders", "Hope" e a canção que tem maior semelhança sonora com outras faixas de Timbaland, "Innocence", com sincopações contundentes criadas a partir de, entre outras coisas, um sample de um homem grunhindo. Após a gravação, Timbaland se envolveu na produção de álbuns e em turnês com Justin Timberlake e Nelly Furtado, deixando a cargo de Björk editar e enriquecer as faixas.
"Fiquei um pouco confusa, porque peguei muitas coisas dele e acho que esperava que ele arranjasse seus ruídos", diz Björk. "No final foi uma coisa boa para mim, porque parece que Timbaland nunca dá coisas às pessoas e deixa que elas completem. Então ele confiou em mim, deixando que o fizesse." Outras canções novas têm suas histórias próprias. Björk viajou até a Jamaica com Antony Hegarty, o vocalista de voz sombria de Antony and the Johnsons, para gravar um dueto de amantes com letra de um poema de Fyodor Tyutchev, "The Dull Flame of Desire".
Eles cantaram juntos, improvisando, por um dia inteiro; Björk editou o dueto para formar um drama incandescente de sete minutos, criou arranjo com metais e decidiu acompanhar o produto com batida eletrônica.

Filhos
Björk também canta para seus dois filhos: Isadora e Sindri, que tem 20 anos. Em "My Juvenile", ela se repreende pela maneira como tratou Sindri ("Talvez eu tenha libertado você rápido demais, jovem demais") enquanto Antony canta "as intenções foram puras", para tranquilizá-la.
"Quando eles têm 14 anos, você os deixa soltos demais", conta. "Então, de repente, eles têm 16 anos, e você se comporta outra vez como se tivessem oito. E então eles têm 18, e você acha que eles podem voar pelo mundo sozinhos. E então, quando chegam aos 20, você lhes dá bronca porque estão usando um casaco sujo. É uma coisa desajeitada."

Tradução de CLARA ALLAIN

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