São Paulo, sábado, 9 de maio de 1998

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BIENAL DO LIVRO
Biografia, escrita pela jornalista Lucia Rito, será lançada no estande da Record com sessão de autógrafos
Roberta Close passa sua história a limpo

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Roberta Close é uma figura mítica. Homem ou mulher, travesti ou transexual, hermafrodito ou andrógino, seu rosto encheu os olhos dos brasileiros, provocou debates e levou machões à loucura. E, como todo cometa brilhante, sua cauda é pontilhada por boatos.
Para passar um pano e relatar o corte profundo que sua vida teve, após a operação de mudança de sexo, em 1989, no Reino Unido, ela abre o jogo em "Muito Prazer, Roberta Close", de Lucia Rito.
Tanto Roberta quanto Rito estarão hoje autografando o livro na 15ª Bienal do Livro.
Rito, jornalista, autora das biografias de Fernanda Montenegro e Chacrinha, foi contatada pela própria Roberta, que queria um livro que dissipasse as "várias mentiras" já publicadas a seu respeito.
"Saiu em jornais que, antes da operação, eu teria guardado meu sêmen. Isso foi um choque para a mãe de meu marido (o engenheiro suíço Roland Grnacher)", disse Roberta, numa entrevista realizada em São Paulo (SP).
O livro começa com uma cena vivida por Roberta em abril de 1977 no aeroporto de Londres. Para entrar no Reino Unido, ela teve dificuldades para provar sua identidade, já que seu passaporte está em nome de Luiz Roberto Gambine. "Senhor Luiz Roberto, que brincadeira é essa?", teria questionado o agente da polícia local.
A cena ilustra que, de brincadeira, a vida de Luiz Roberto, garoto carioca nascido em 1964, não teve nada. Foi um acúmulo de pancadas, estupros, portas fechadas e prisões para um garoto com cara de garota, que preferia se vestir como uma mulher e que se sentia atraído por meninos. "Um dia, um amigo de meu pai chegou e me viu de shortinho e blusinha. Disse ao meu pai que não sabia que ele tinha uma filha. É a empregada, respondeu meu pai. Eu era isso, a empregada. Ficava na cozinha."
Na escola, ela tinha medo de revelar seu membro "muito pequeno, sem testículos à vista".
Expulsa da escola, passava os dias na Bolsa, trecho da praia de Copacabana, ponto de encontro de homossexuais. À noite, passou a frequentar a Galeria Alaska, símbolo da cena gay carioca da década de 70. "Foi lá que aprendi a me maquilar, tomar remédios para ter peitinhos e a conviver com as primeiras prisões. Tive de transar com delegados para escapar da tranca", lembra Roberta.
Fugiu de casa aos 16 e veio morar em São Paulo. Numa nova cidade, assumiu nova identidade: Roberta. Andava de vestido pela cidade e se prostituía, "por não ter outra forma de sobreviver", diz.
Aos 17 anos, causou furor ao entrar num quartel do Exército, num vestido branco apertado, para cumprir seu dever e se alistar. Foi dispensada. "Quando eu ia saindo, o sargento não resistiu e pediu meu telefone", conta.
Uma foto na capa da revista "Close" (daí o codinome), em 1981, abriu as portas para a carreira de manequim-modelo-atriz. De lá para cá, não parou. Já desfilou para Guy Laroche e Jean-Paul Gaultier, ao lado de Cindy Crawford e Linda Evangelista.
Sem ser identificada como mulher, cujos documentos ainda estão em nome de um homem, um travesti que não é travesti, uma filha não reconhecida, Roberta Close é um ícone da causa homossexual brasileira. Um exemplo cruel de desrespeito aos Direitos Humanos.
"De vez em quando, andando na rua, sem mais nem menos, eu levava um tapão na cara de um homem que passava. Outros cuspiam em mim. Se pegava um ônibus, ninguém queria sentar ao meu lado", conta no livro.
"Muito Prazer" é a narrativa de uma perseguição, cujo final está próximo da felicidade. Ela não entrega nomes. Quer contar sua história. Relata, em detalhes, sua operação.
Hoje, Roberta mora em Zurique (Suíça). Fala quatro línguas. É uma "pacata" dona-de-casa casada há cinco anos e vai, pela primeira vez, atuar como atriz, e não transexual, na novela Mandacaru (Manchete). Sua personagem é uma mulher que enlouquece os homens da cidade. Tal qual ela, Roberta Close, fez com o Brasil.
Muitas fotos acompanham o livro. Roberta menino, já com um indiscutível rosto feminino. Roberta com estrelas de TV, no Carnaval e em pêlo.
Muitos usam fotos em livros, hoje em dia. Eu usei. Não adianta. O apelo da imagem sobre as palavras. São os novos tempos. Em se tratando de Roberta, as fotos mostram a que vieram. Sua ambiguidade tem sentido. É uma mulher, ora bolas.

Livro: Muito Prazer, Roberta Close
Autora: Lucia Rito
Quanto: R$ 29 (240 págs.)
Lançamento: Rosa dos Tempos (tel. 021/585-2047, ramal 2470)
Onde: lançamento hoje, às 17h, no estande da Editora Record na Bienal



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