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"Fios do Tempo" traz compreensão prática de Brook
DA REPORTAGEM LOCAL
Não se deve buscar em "Fios do
Tempo" uma autobiografia como
as tantas que surgem hoje, com
revelações bombásticas, escândalos de bastidores. Nem tampouco,
o que seria de esperar de artista
tão marcante no século 20 como
Peter Brook, dissertações estéticas
ou programáticas.
Este é um livro de inflexões estranhas, inesperadas. Os acontecimentos parecem se dar como
que por acaso, até por capricho,
na longa história do diretor no
teatro, que começou há 57 anos.
O encenador anglo-brasileiro
Ron Daniels, escrevendo sobre
"Fios do Tempo" quando do lançamento na Inglaterra há dois
anos, relatou que Brook não gosta
de ser chamado de guru ou guia
do teatro -o que é a regra, quando se fala dele. Mas ele não merece, realmente, tais qualificações.
Está o tempo todo a duvidar, os
seus ensinamentos são simples e
práticos demais, afetam ingenuidade -em tom bem mais acentuado do que num livro fundamental como "O Espaço Vazio",
de 68.
Em suas "falsas memórias", como chama, quando ele trata de algumas de suas mais conhecidas
influências, as reações e predileções se dão por empatia, jamais
por identificação de princípios ou
idéias. Sobre Artaud, por exemplo, ao falar da criação do grupo
que viria a encenar "Marat/Sade":
"Nós chamamos (o grupo) de
Teatro da Crueldade, numa homenagem a Antonin Artaud,
pois, embora a teoria do teatro
nunca me houvesse interessado
muito e eu tivesse encontrado nas
visões extremas de Artaud muito
pouco das especificidades que o
trabalho prático requer, eu admirava a impetuosa intensidade das
posições de Artaud."
De outro lado, sobre o alemão
Brecht: "O que me fascinou não
tinha qualquer relação com as
suas teorias. Foi o homem, foi o
melodrama de encontrar Brecht
em segredo, de ter sido proibido
pelas autoridades britânicas de falar em público com esse comunista notório. Brecht descreveu-me
sua teoria do distanciamento. Ele
era articulado e divertido, mas eu
não me convenci".
Brook tem menos reservas teóricas quando fala de Grotowski,
mas a sua reação é quase sempre a
mesma, subjetiva, algo volúvel
-o que torna "Fios do Tempo"
uma autobiografia reveladora,
mas de uma forma bem diferente.
É o que se pode dizer do longo e
por vezes incompreensível relato
sobre um filósofo místico que foi,
pelo que indica o livro, marca perene em sua vida, o russo Gurdjieff.
O diretor conta das sessões de
que participou em grupo, por décadas, com Jane Heap, seguidora
de Gurdjieff. Um ensinamento:
"O que, em linguagem esotérica, é chamado de "o quarto caminho" não é nem o caminho da
mortificação do corpo, nem o da
retirada do mundo, nem o da alta
investigação intelectual. É um termo que causou todas as gradações de incompreensão e distorção -e que requer uma coisa: a
compreensão. Ela não pode ser
descoberta na solidão, nem no estudo, mas apenas através de um
longo e paciente trabalho com outros, sob as condições quase impossíveis da vida cotidiana."
É uma passagem um pouco
exasperante, mas não deixa ser
mais uma faceta, talvez a fundamental, a compor candidamente
o personagem Peter Brook. Ela
ajuda a entender, por exemplo, a
importância que dá a pequenas lições, como na única frase que
lembra de seus anos de estudo,
aliás, uma pergunta, do "senhor
Taylor":
"Por que o ritmo é um fator comum a todas as artes?"
"Fios do Tempo" segue por
muitos caminhos, encontrando
casualidades e pequenas lições
em tudo, da primeira experiência
com "atores de várias culturas",
inspirada pelo título de um festival Teatro das Nações, até seu casamento com Natasha Parry
-ele que aos 12, ao ler "Guerra e
Paz", jurou casar-se com uma
mulher chamada Natasha.
São os tais fios do tempo de que
Peter Brook fala, na introdução às
"falsas memórias":
"Coloco-me ao lado de Hamlet,
quando ele pede uma flauta e protesta contra a tentativa de se perscrutar o mistério de um ser humano, como se fosse possível conhecer todos os seus refúgios e obstáculos. O que tento tecer da melhor
forma são os fios que ajudaram a
desenvolver a minha própria
compreensão prática, na esperança de que, em algum lugar, eles
possam contribuir à experiência
de uma outra pessoa."
(NS)
Livro: Fios do Tempo
Autor: Peter Brook
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: preço não definido (352 págs.)
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