São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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"LOUISE BOURGEOIS"

Stoklos se refaz em nome de outra

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Eu sou aquilo que eu faço". A frase da escultora francesa Louise Bourgeois cabe como uma luva também para Denise Stoklos. Dona, como poucos, de uma estética própria, o "teatro essencial", que procura estabelecer um máximo de teatralidade com um mínimo de efeitos, sua energia visceral preenche todas as expectativas de quem vai para vê-la -mas não vai mais além.
Neste "Louise Borgeois - Faço, Refaço, Desfaço" Stoklos se basta em cena por mais de uma hora, e sobra energia para reprisar dois outros monólogos, em cartaz durante a semana. A novidade é que desta vez ela fala em nome de outra criadora -que criou especialmente esculturas para o cenário.
São três instalações em ferro: uma escada de escorregador, suspensa no vazio, à esquerda; uma cadeira frente a um espelho oval, à direita, e, ao centro, uma gaiola-quarto, que evoca o lar burguês.
Os textos autobiográficos de Bourgeois escolhidos são distribuídos por esses três sets, e pode-se perceber um certo critério: memórias da infância ao centro, com seus conflitos com o pai; momentos de angústia de criação, até o "arco histérico" replicar a escada para o nada, à esquerda, enquanto à direita o espelho permanece a maior parte do tempo vazio, em busca de uma revelação.
O ritmo alucinante permite pouco esses momentos de mergulho em si mesma. Stoklos se apóia em um humor feroz, entre o autodeboche e a necessidade infantil de estar sempre no centro das atenções, sempre no máximo de energia, remetendo às vezes ao nonsense de Harpo Marx.
Isso fica particularmente claro quando evoca uma fábula de Camus, sobre um cachorro mantido sempre com fome por seu dono possessivo. Um dia, ele foge e passa a devorar compulsivamente tudo que encontra.
Deitada no chão, Stoklos faz durar a mímica do cachorro que devora por mais de um minuto, até ultrapassar o limite do engraçado, chegando à crueldade contra si mesma. A metáfora de Camus passa em segundo plano: o que Stoklos quer dizer é aquilo que ela faz, e raramente desfaz.
Essa desfaçatez tem seus méritos e um público fiel. Mas esgota-se em si mesma. O teatro essencial é essencialmente o teatro que Stoklos faz, e que é feito para ela, sob medida. Stoklos é a medida de Stoklos. Sai-se da peça com ela, e não Bourgeois, na cabeça. O que falseia suas intenções.
Seria necessário ao crítico exigir mais de uma artista internacionalmente consagrada? Que se supere, que surpreenda, que passe a explorar nuances que não se viam sob a fórmula usual? Para isso, seria preciso se habilitar enquanto seu interlocutor, o que é cada vez mais difícil em tempos em que o crítico e o divulgador se confundem nas expectativas gerais. Resta então ao crítico a paráfrase de Gertrude Stein: Stoklos é Stoklos é Stoklos, excessiva e apaixonadamente, e talvez não haja razões para se querer outra coisa.


Louise Bourgeois - Faço, Desfaço, Refaço
   
Texto: Louise Bourgeois
Direção, adaptação e interpretação: Denise Stoklos
Quando: sex. a dom., às 21h; até 3/7
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, SP, tel. 0/xx/11/6602-3700)
Quanto: R$ 10 a R$ 20


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