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CARLOS HEITOR CONY
Um governo em banho-maria
Uma vez no poder, Dutra descumpriu promessas e atirou o PCB na clandestinidade
PESSOALMENTE HONRADO , o
presidente Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra que
fora o condestável do regime ditatorial de Vargas, pautou-se dentro de
uma legalidade estrita e mesquinha
durante todo o seu governo. Teve
-como quase todos os presidentes
de nações politicamente instáveis-
algumas oportunidades para perpetuar-se no poder, mas não se empenhou ou não soube manobrar nesse
sentido. Tampouco tivera habilidade para, na hora precisa, fazer o seu
sucessor.
Desceu a escada principal do Palácio do Catete e foi esperar Getúlio
Vargas, seu sucessor, na porta que
dava para a empoeirada rua do Catete. Aqueles mesmos homens que o
destino e a política juntaram, destino e política haviam separado. Agora estavam novamente juntos, numa cerimônia até certo ponto ridícula, pois marcava um rodízio de velhas raposas do cenário nacional.
Dutra devia sua eleição ao ditador a
quem servira durante tantos anos e
fora por ele servido.
Sem nenhum charme eleitoral,
sua candidatura era considerada difícil, pesada, assim mesmo fora eleito. Governara sem um estilo, sem
um programa, sem uma idéia. Como
militar por gosto e carreira, habituara-se à devoção dos regulamentos e,
em sua cabeça, o regulamento que
substituía os códigos da caserna era
agora a Constituição -a de 1946-,
que ele simploriamente chamava de
"livrinho". Sempre o consultava antes de tomar uma decisão ou iniciar
algum projeto administrativo ou político. Ponto a favor dele.
Uma vez no poder, descumprira
as principais promessas da campanha eleitoral. Uma delas: a que daria
autonomia ao antigo Distrito Federal, velha e justa aspiração dos políticos cariocas, prometida em praça
pública e negada no Palácio do Catete. A atitude de Dutra chocou o eleitorado do Rio, escandalizou aqueles
que acreditavam em sua palavra e
deixou dois homens sem emprego:
os vereadores Carlos Lacerda e
Adauto Lúcio Cardoso. Ambos haviam se comprometido a renunciar
aos respectivos mandatos, caso a Lei
Orgânica do Distrito Federal, elaborada no Senado, mas inspirada por
Dutra, negasse (como negou) ampla
autonomia política e administrativa
à então capital da República.
Outra atitude do governo, que o
tornou impopular e alvo de censuras
gerais, foi o fechamento do Partido
Comunista Brasileiro e o conseqüente -ou inconseqüente- rompimento de relações diplomáticas e
comerciais com a União Soviética.
Durante a campanha eleitoral, Dutra chegara a namorar os votos dos
comunistas, embora houvesse na
arena um candidato oficialmente
lançado pelo PCB.
Carta de Dutra, datada de 17 de
abril de 1945 (início da campanha
eleitoral) e publicada em "O Globo"
de 19 de abril e no "Correio da Manhã" de 22 do mesmo mês e ano:
"A minha posição em face do comunismo é a única que julgo lícita a
qualquer homem com responsabilidade na vida pública nacional: reconheço-lhe o pleno direito de existência legal. Que se organize, que viva como qualquer outro partido, disputando eleitoralmente a sua supremacia e procure, por meio de seus
representantes, influir na vida administrativa e política do país".
Ninguém conseguiu apurar quantos votos de indecisos comunistas o
então candidato Eurico Gaspar Dutra conseguiu obter com essas declarações liberais. É possível que nenhum. Mas, para um homem que
em plena ditadura fora chamada de
"Varão de Plutarco" pelo sr. Viriato
Vargas, a frase estrategicamente divulgada durante a campanha não
poderia representar uma simples e
primária arapuca eleitoral.
No entanto, tão logo empossado,
ele foi impotente para deter as pressões recebidas e é bom que se diga:
tais pressões não somente encontraram solo fecundo para frutificar
como também recebiam ajuda pessoal do próprio presidente. Através
de manobra judicial, o governo conseguiu cancelar o registro do Partido
Comunista Brasileiro, atirando-o na
clandestinidade. Dezenas de parlamentares em todo o Brasil foram
cassados e, logo após, caçados. O
Brasil rompeu relações com a União
Soviética, numa agressão pueril que
se revelou mais ridícula que eficaz.
Governos seguintes trataram de
corrigir essa atitude, e o próprio governo que se instalou em 1964, apesar de seu caráter ostensivamente
anticomunista, não chegou ao exagero de repetir o mesmo erro.
No setor administrativo, o honrado general limitou-se a uma rotina
burocrática. O Brasil limitou-se a
crescer vegetativamente, e somente
à noite, enquanto todos dormiam.
Durante o dia, os governantes atrapalhavam.
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