|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros
"Pasquim" tirou aspas da nossa língua"
Radicado em Londres, Ivan Lessa, 72, relembra os tempos em que publicação revolucionou o jornalismo brasileiro
"Antologia", que já vendeu mais de 40 mil cópias de seu primeiro volume, chega agora ao segundo livro, que cobre os anos de 1972-73
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na primeira vez em que trocou e-mails com a Folha para
esta reportagem, Ivan Lessa foi
curto e rápido, ainda que bem-humorado. Lembrar os tempos
do "Pasquim" não é algo que o
jornalista, radicado há 28 anos
em Londres, goste de fazer com
muita freqüência.
Dias depois, porém, ao receber pelo correio um exemplar
do segundo volume da "Antologia", que chega agora às livrarias, ficou emocionado e retificou algumas declarações.
Se antes declarara sem dor o
fim do "jornaleco" (como o
"Pasquim" era carinhosamente
apelidado), numa mensagem
sentimental acabou desabafando: "Não se pode ter saudade
daquilo que não acabou. Taí.
Eu mesmo, depois que o santo
subiu de volta, fiquei meio comovido. Deve ser essa lua, esse
conhaque, essa estátua de
bronze do Drummond..."
Ao folhear o livro, também
concluiu que não lembrava de
várias coisas que tinha escrito.
Leia abaixo as respostas de
Lessa, 72, à Folha.
FOLHA - A segunda parte da "Antologia" cobre os anos de 72 e 73. Segundo a edição, essa teria sido a fase
mais interessante do jornal. E também a sua. Como andava seu ânimo
profissional? E político?
IVAN LESSA - Sim, minha participação foi mesmo mais ativa.
Mas a explicação é simples.
Morava em Londres até 72,
quando voltei para o Brasil e
passei a trabalhar diariamente
no "Pasquim". Meu ânimo profissional ia bem, obrigado.
Tive outras ofertas mais tentadoras em termos de salário.
Mas, no "Pasquim", na época
vendendo pouco e em crise, eu
estava entre velhos amigos.
Ânimo político? Nunca tive,
não tenho.
FOLHA - Como você selecionava as
cartas a serem respondidas? Quantas você inventava? Depois que os
leitores entraram no espírito da seção, ficou mais difícil?
LESSA - Eu pedia para a dona
Nelma [secretária do jornal] a
vasta pasta com as cartas. Tirava um punhado. Selecionava as
que pareciam mais interessantes. Ou mais idiotas, se você
preferir. E inventava apenas as
obviamente inventadas. E a
proporção é bem menor do que
pensam. Ou dizem.
Depois de um certo tempo, os
leitores mais vivos entraram no
espírito da coisa. Aí, é claro, ficou mais difícil.
Dependia muito também de
como andava minha paisagem
interior. Sim, eu tenho uma
paisagem interior, que anda,
marcha, pula, isso tudo.
FOLHA - Entre os gêneros que você
criou no jornal, as cartas inventadas,
as falsas notícias comentadas e o
horóscopo, de quais gostava mais?
LESSA - O que eu mais gostava
de fazer mesmo era o "Pasquim
Novela". O resto do que você
menciona era ou muito triste
ou muito chato.
Não me lembro de falsas notícias. Toda notícia é, por definição, falsa. Ou farsa. Por aí.
FOLHA - E as que tinham subtexto
contra a ditadura (sobre Papa Doc, a
Inquisição ou Perón)?
LESSA - Era para poder falar de
nós falando dos outros. É a única vantagem da censura: obrigar o cidadão a exercer as disciplinas das entrelinhas, das alegorias, das insinuações.
FOLHA - Como funcionava a relação com os chargistas na seção "Gip,
Gip, Nheco, Nheco"?
LESSA - Eu escrevia os "gips" e
eles "nhecavam". Em muitos eu
tinha uma idéia ou sugestão para a ilustração. Mas muitas das
frases davam para se agüentar
em seus próprios pés. Acho.
FOLHA - Acredita que as pessoas
vejam o "Pasquim" hoje com demasiada nostalgia?
LESSA - O "Pasquim" acabou.
Para o bem ou para o mal.
FOLHA - Em entrevista à Folha, Jaguar disse que o jornal viveu mais do
que deveria. Você concorda?
LESSA - Concordo. O "Pasquim" deveria ter acabado logo
depois que começaram a botar
azeitonas adoidadas em empadas alopradas.
FOLHA - Você acha que o "Pasquim" de fato revolucionou o jornalismo brasileiro?
LESSA - É, o jornaleco tirou as
aspas da língua brasileira. Na
medida do possível. Os outros
méritos estão com todos os que
escreveram ou desenharam ou
tentaram uma contabilidade
honesta com a publicação
-chato ficar repetindo "Pasquim" ou "jornaleco", passemos então para os chavões.
FOLHA - Você lê jornais brasileiros?
Acha que estão melhores ou piores
do que na época da ditadura?
LESSA - Passo os olhos eletrônicos neles. Continuam ruins como sempre. Loas para tudo que
contribua para desencorajar
um brasileiro, ou brasileira, a
praticar o (risos) jornalismo.
FOLHA - As pessoas ficam intrigadas com o fato de você ter partido
para Londres e praticamente nunca
mais ter voltado. Você sentiu necessidade de romper com o Brasil?
LESSA - Não senti necessidade.
Apenas uma baita de uma vontade de me mandar e só voltar
em caso de muita, mas muita
emergência mesmo.
FOLHA - Você se diverte com os jornais sensacionalistas?
LESSA - Acompanhar os tablóides chega a ser engraçado. Mas
há muita coisa para ler, para ver
na TV, muito pato para se alimentar no laguinho dos parques. Eu confesso que só vejo a
primeira página nas bancas,
que é o quanto basta. Ninguém
os leva a sério. Principalmente
os que fazem os tablóides. Aí
até que dá para fazer uma ponte
com o "Pasquim".
FOLHA - Num dos artigos você diz
que o mundo se divide entre as pessoas que dizem "ôba" e as que dizem "êpa". Onde você se enquadra
nessa classificação.
LESSA - Êpa! O passar dos anos,
a passagem dos ôbas...
LESSA - Sei que não teve uma
pergunta treze. Mas sou supersticioso e aqui está a prova.
Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta Próximo Texto: Frase Índice
|