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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
De homens, armas e letras
Claro que os adúlteros não morreram nem os duelistas se aposentaram, mas as transgressões saíram de foco
NEM SEMPRE as antologias temáticas, febre brasileira recente, são meros caça-níqueis editoriais. Trazendo lado a lado autores remotos, no tempo ou no
espaço, tendem a estimular a percepção da variedade como valor. É o
caso de "Os Melhores Contos de
Loucura", recém-reunidos por Flávio Moreira da Costa, que, de Büchner a Qorpo-Santo, de Gogol a Carlos Süssekind, compõem um panorama dos significados e formas diversos assumidos pelo desvario na
literatura moderna.
A leitura de "Mestres-de-Armas:
Seis Histórias sobre Duelos", coletânea organizada e introduzida por
Cláudio Figueiredo, tiro certo e não
menos fascinante, deixa outro tipo
de saldo. O batalhão exíguo de atiradores de primeira linha -Joseph
Conrad, Arthur Schnitzler, Guy de
Maupassant, Heinrich Von Kleist,
Ivan Turguêniev e Vladimir Nabokov- e a experiência limite que os
ocupa, o duelo, reforçam uma unidade que extrapola o tema. Não é à
toa que os autores escolhidos concentram-se no século 21, alongado
nas extremidades pelo alemão
Kleist (1777-1811) e pelo criador de
"Lolita" (1899-1977).
A combinação entre ritual regrado
e violência furiosa, defesa da honra
pessoal à margem da lei anônima,
criou um subgênero literário atado à
noção oitocentista de indivíduo que,
como o romance de adultério (pensemos em "Madame Bovary" ou
"Anna Kariênina"), é expressão acabada de tensões típicas do espírito
do tempo. Claro que os adúlteros
não morreram nem os duelistas se
aposentaram, mas as transgressões
que encarnavam saíram de foco, inclusive na literatura, sem que o interesse por eles esmaeça.
Se o suicídio pode ser a chave para
a compreensão da combinação entre "o crisântemo e a espada", vingança individual e valores coletivos,
na sociedade japonesa o duelo é uma
instituição européia muito reveladora. Como demonstra a ótima introdução histórica, sua vigência plena atravessou a existência e a obra
de autores como Conrad, Maupassant ou Turguêniev, por exemplo. Se
neles por vezes não tomaram parte
efetiva, deixaram-se impregnar por
imagens de enfrentamentos míticos: o que matou Púchkin, o de seu
personagem, Oniéguin etc.
Serviram-se do tema para discutir
os limites entre coragem, covardia e
temeridade, o equilíbrio frágil entre
convenções e impulsos individuais,
a prevalência da razão ou dos caprichos, decidindo sobre honra, vida e
morte. A variedade de registros
-das raízes medievais resgatadas
em "O Duelo", de Kleist, aos estertores caricatos do ritual, num círculo
berlinense de emigrados russos, em
"Uma Questão de Honra", de Nabokov- preserva-se na excelência da
tradução, com destaque para a quase novela de Conrad sobre dois oficiais franceses que, ao longo de anos,
pontuam a carreira com repetidos
embates entre si.
MESTRES-DE-ARMAS: SEIS HISTÓRIAS SOBRE DUELOS
Organização: Cláudio Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Cláudio Figueiredo, Rubens Figueiredo e Samuel Titan Jr.
Quanto: R$ 49 (292 págs.)
Avaliação: ótimo
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