São Paulo, sábado, 09 de junho de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

De homens, armas e letras

Claro que os adúlteros não morreram nem os duelistas se aposentaram, mas as transgressões saíram de foco

NEM SEMPRE as antologias temáticas, febre brasileira recente, são meros caça-níqueis editoriais. Trazendo lado a lado autores remotos, no tempo ou no espaço, tendem a estimular a percepção da variedade como valor. É o caso de "Os Melhores Contos de Loucura", recém-reunidos por Flávio Moreira da Costa, que, de Büchner a Qorpo-Santo, de Gogol a Carlos Süssekind, compõem um panorama dos significados e formas diversos assumidos pelo desvario na literatura moderna.
A leitura de "Mestres-de-Armas: Seis Histórias sobre Duelos", coletânea organizada e introduzida por Cláudio Figueiredo, tiro certo e não menos fascinante, deixa outro tipo de saldo. O batalhão exíguo de atiradores de primeira linha -Joseph Conrad, Arthur Schnitzler, Guy de Maupassant, Heinrich Von Kleist, Ivan Turguêniev e Vladimir Nabokov- e a experiência limite que os ocupa, o duelo, reforçam uma unidade que extrapola o tema. Não é à toa que os autores escolhidos concentram-se no século 21, alongado nas extremidades pelo alemão Kleist (1777-1811) e pelo criador de "Lolita" (1899-1977).
A combinação entre ritual regrado e violência furiosa, defesa da honra pessoal à margem da lei anônima, criou um subgênero literário atado à noção oitocentista de indivíduo que, como o romance de adultério (pensemos em "Madame Bovary" ou "Anna Kariênina"), é expressão acabada de tensões típicas do espírito do tempo. Claro que os adúlteros não morreram nem os duelistas se aposentaram, mas as transgressões que encarnavam saíram de foco, inclusive na literatura, sem que o interesse por eles esmaeça.
Se o suicídio pode ser a chave para a compreensão da combinação entre "o crisântemo e a espada", vingança individual e valores coletivos, na sociedade japonesa o duelo é uma instituição européia muito reveladora. Como demonstra a ótima introdução histórica, sua vigência plena atravessou a existência e a obra de autores como Conrad, Maupassant ou Turguêniev, por exemplo. Se neles por vezes não tomaram parte efetiva, deixaram-se impregnar por imagens de enfrentamentos míticos: o que matou Púchkin, o de seu personagem, Oniéguin etc.
Serviram-se do tema para discutir os limites entre coragem, covardia e temeridade, o equilíbrio frágil entre convenções e impulsos individuais, a prevalência da razão ou dos caprichos, decidindo sobre honra, vida e morte. A variedade de registros -das raízes medievais resgatadas em "O Duelo", de Kleist, aos estertores caricatos do ritual, num círculo berlinense de emigrados russos, em "Uma Questão de Honra", de Nabokov- preserva-se na excelência da tradução, com destaque para a quase novela de Conrad sobre dois oficiais franceses que, ao longo de anos, pontuam a carreira com repetidos embates entre si.


MESTRES-DE-ARMAS: SEIS HISTÓRIAS SOBRE DUELOS
Organização:
Cláudio Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Cláudio Figueiredo, Rubens Figueiredo e Samuel Titan Jr.
Quanto: R$ 49 (292 págs.)
Avaliação: ótimo


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