São Paulo, sábado, 09 de junho de 2007

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Crítica/"O Incrível Menino na Fotografia"

Bonassi cria metáfora de sua geração em ensaio beckettiano

CRÍTICO DA FOLHA

Apesar de escrito em forma de monólogo, nada no texto "O Incrível Menino na Fotografia", em cartaz na cidade, indicava que poderia render uma boa encenação. Acometido pela angústia de se rever menino congelado na perversamente ingênua foto escolar, característica do "Brasil - ame-o ou deixe-o" da ditadura dos anos 70, o colunista da Folha Fernando Bonassi deu voz a esse fantasma do passado afetivo de toda uma geração.
Duplamente oprimido por um sistema escolar normativo a serviço de idéias pré-determinadas pela moral e civismo vigente, frágil e kitsch como uma borboleta presa em um quadro decorativo nos lares de classe média, o menino desabafa. Um exercício de fluxo de consciência que se desenvolve em poucas páginas, sem nenhuma ação além das lembranças, sem nenhuma mudança interna. Como encenar?

Beckett
É notável que o próprio autor tenha tido a resposta tão clara.
Em vez de adaptar o tema em algo mais dinâmico, Bonassi transformou seu ensaio em experiência beckettiana de imobilidade. Junto de Daniela Garcia, imobilizou seu personagem em uma foto tridimensional em preto-e-branco, suspensa no espaço.
Compreendendo logo que nada mudará, o público vai relendo os banais objetos cênicos: a banal frase no bolso do uniforme "melhor do que ontem, pior que amanhã" vai tomando uma ironia cada vez mais amarga.
Como um segundo ator narrador, a luz de Davi de Brito faz recortes e comentários no texto. A trilha de Marcelo Pellegrini cria uma paisagem sonora múltipla, com uma impressionante pesquisa em arquivos de rádio.
Eucir de Sousa, nos ombros de quem recai o espetáculo, se sai bem do desafio. Além da façanha técnica da limitação máxima de movimentos, assume bem o grotesco inerente da proposta, pesando talvez um pouco demais no tom enjoativo de criança, mas sem nunca cair no deboche fácil.
Apesar de sua curta duração (60 minutos), o espetáculo por vezes parece um pouco longo, talvez por se propor a respeitar integralmente um texto que, literariamente, gira em torno de si mesmo por temas e variações. Mas a angústia compartilhada do estático, convidando a platéia a também ficar presa nesse eterno presente, é altamente eficaz para constituir uma metáfora de uma geração.
É o que pode se dizer também de "Esperando Godot". (SSC)

O INCRÍVEL MENINO NA FOTOGRAFIA
Quando: sex. a dom.: 20h30. Até 24/6
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, 13º andar, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 7,50 a R$ 15
Avaliação: bom


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