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Crítica/"O Incrível Menino na Fotografia"
Bonassi cria metáfora de sua geração em ensaio beckettiano
CRÍTICO DA FOLHA
Apesar de escrito em forma de monólogo, nada
no texto "O Incrível
Menino na Fotografia", em cartaz na cidade, indicava que poderia render uma boa encenação. Acometido pela angústia
de se rever menino congelado
na perversamente ingênua foto
escolar, característica do "Brasil - ame-o ou deixe-o" da ditadura dos anos 70, o colunista da
Folha Fernando Bonassi deu
voz a esse fantasma do passado
afetivo de toda uma geração.
Duplamente oprimido por
um sistema escolar normativo
a serviço de idéias pré-determinadas pela moral e civismo
vigente, frágil e kitsch como
uma borboleta presa em um
quadro decorativo nos lares de
classe média, o menino desabafa. Um exercício de fluxo de
consciência que se desenvolve
em poucas páginas, sem nenhuma ação além das lembranças, sem nenhuma mudança
interna. Como encenar?
Beckett
É notável que o próprio autor
tenha tido a resposta tão clara.
Em vez de adaptar o tema em
algo mais dinâmico, Bonassi
transformou seu ensaio em experiência beckettiana de imobilidade. Junto de Daniela Garcia, imobilizou seu personagem
em uma foto tridimensional
em preto-e-branco, suspensa
no espaço.
Compreendendo logo que
nada mudará, o público vai relendo os banais objetos cênicos: a banal frase no bolso do
uniforme "melhor do que ontem, pior que amanhã" vai tomando uma ironia cada vez
mais amarga.
Como um segundo ator narrador, a luz de Davi de Brito faz
recortes e comentários no texto. A trilha de Marcelo Pellegrini cria uma paisagem sonora
múltipla, com uma impressionante pesquisa em arquivos de
rádio.
Eucir de Sousa, nos ombros
de quem recai o espetáculo, se
sai bem do desafio. Além da façanha técnica da limitação máxima de movimentos, assume
bem o grotesco inerente da
proposta, pesando talvez um
pouco demais no tom enjoativo
de criança, mas sem nunca cair
no deboche fácil.
Apesar de sua curta duração
(60 minutos), o espetáculo por
vezes parece um pouco longo,
talvez por se propor a respeitar
integralmente um texto que, literariamente, gira em torno de
si mesmo por temas e variações. Mas a angústia compartilhada do estático, convidando a
platéia a também ficar presa
nesse eterno presente, é altamente eficaz para constituir
uma metáfora de uma geração.
É o que pode se dizer também
de "Esperando Godot".
(SSC)
O INCRÍVEL MENINO NA FOTOGRAFIA
Quando: sex. a dom.: 20h30. Até 24/6
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, 13º andar, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 7,50 a R$ 15
Avaliação: bom
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