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Crítica/ensaio
Ensaio traz Malievitch revolucionário
Artista russo expõe seu projeto estético e faz uma leitura dos principais movimentos da arte em "Dos Novos Sistemas na Arte"
MARCO GIANNOTTI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A editora Hedra lança
uma pequena pérola do
artista suprematista
Kazimir Malievitch (1878-1935). A bela edição "Dos Novos Sistemas na Arte", em formato de bolso, foi traduzida por
Cristina Dunaeva do original
russo e conta com notas bastante esclarecedoras.
O texto foi escrito em 1919,
em um momento em que Malievitch perece ter chegado ao
limite da pintura. Em 1915, realiza "Quadro Negro", em que
rompe definitivamente com a
pintura naturalista. Apresenta
o quadro na "Última Exposição
Futurista", em um canto da parede, levemente inclinado, como se fosse um ícone.
Vale lembrar que a experiência pictórica russa é bastante
singular no contexto europeu,
pois do século 13 até o 19 se resume à produção contínua de
ícones religiosos, permanecendo praticamente inalterada durante seis séculos! A arte russa
desconhece a renascença, a
perspectiva e a mimese. Talvez
por este motivo os artistas russos do começo do século 20 tenham sido capazes de absorver
rapidamente o cubismo e a colagem e de fazer a passagem para uma pintura abstrata, reconhecendo seu potencial espiritual e antimimético.
Busca por abstração
Na sua busca por uma abstração cada vez mais depurada, o
artista realiza em 1917-18 pinturas monocromáticas em
branco. Malievitch chega à conclusão de que a pintura deve se
libertar do compromisso de representar objetos, cabendo ao
artista buscar novas formas para moldar uma nova realidade.
Seu projeto estético parece extrapolar os limites do campo
pictórico, o artista passa a operar diretamente no mundo.
Em um momento de transformação radical da sociedade
russa, Malievitch encarna o espírito revolucionário ao ser
eleito, em agosto de 1917, presidente do departamento das artes do conselho moscovita; em
seguida, se torna responsável
pela conservação do patrimônio histórico.
Este texto é fruto de sua experiência como professor dos
ateliês artísticos livres. Autodidata, Malievitch ensina pintura
e história da arte a partir da sua
experiência como pintor.
Marco zero
Resulta daí uma didática,
uma nova linguagem para Malievitch revelar seu ponto de
vista, que assume uma dimensão histórica, espécie de marco
zero a partir do qual faz uma
leitura do que considera os
principais movimentos da arte,
da pintura rupestre ao cubismo. Ao acabar com a divisão da
produção pictórica em gêneros,
a pintura é vista como sistema:
"impressionismo, cezannismo,
cubismo, futurismo e suprematismo" são consideradas estruturas fundantes da arte moderna, embora apenas os dois últimos ainda pudessem ser desenvolvidos.
O leitor incauto terá dificuldade na primeira leitura, pois a
lógica linear do texto é fragmentada. Malievitch chega a
admitir, em uma de suas cartas
em anexo, que "os conceitos
não se amoldavam a nossas letras", "quanto mais preciso,
tanto mais obscuro", "o espiritual que me preenche não é
compreendido por aqueles que
me cercam".
Papel decisivo
Este é o preço assumido por
um artista disposto a romper
com os limites da linguagem. A
obra Malievitch tem um papel
decisivo na arte brasileira, é referência lapidar tanto para a arte concreta como para o neoconcretismo.
Como afirma o
manifesto neoconcreto em
1959 : "Malievitch, por ter reconhecido o primado da "pura
sensibilidade na arte" salvou as
suas definições teóricas das limitações do racionalismo e do
mecanismo, dando à sua pintura uma dimensão transcendente que lhe garante hoje uma notável atualidadade".
MARCO GIANNOTTI é pintor e professor do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP.
DOS NOVOS SISTEMAS NA ARTE
Autor: Kazimir Malievitch
Tradução: Cristina Dunaeva
Editora: Hedra
Quanto: R$ 17 (104 págs.)
Avaliação: bom
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