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"Spock Obama" gera ruptura cultural
Fã de "Star Trek" e de séries como "Entourage", presidente causa na sociedade impacto maior que o de seus antecessores
Pensadores se dedicam a
estudar influência do líder
dos EUA, que atrai jovens e
deixa para trás a era da
tortura na televisão
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Há algumas semanas, Barack
Obama pediu à Motion Picture
Association (MPA) que enviasse uma cópia do novo "Star
Trek" para ele ver na sala de
exibição da Casa Branca.
Espécie de Fiesp dos grandes
estúdios norte-americanos, a
MPA abastece a tela presidencial desde que Franklin Delano
Roosevelt (1882-1945) teve a
ideia de transformar um closet
de casacos em um minicinema
com 40 lugares, nos anos 30.
Obama achou "muito bom" o
mais recente capítulo cinematográfico da cultuada série de
TV dos anos 60, segundo disse
depois à revista "Newsweek".
Indagado sobre o motivo da escolha, o democrata foi direto:
"Todo o mundo estava dizendo
que eu sou o Spock, então achei
que eu deveria checar".
Na sequência, parou e fez a
saudação popularizada pelo
ator Leonard Nimoy na pele do
personagem metade vulcaniano, metade humano, em que ele
separa os dedos médio e anelar
da mão direita. Obama se referia à comparação feita, entre
outros, pela revista eletrônica
"Slate" e por Maureen Dowd,
do "New York Times", entre o
personagem e o presidente
(leia ao lado).
A chegada de Barack Obama,
48, à Casa Branca marca não só
uma mudança de geração no
comando do país mas também
um novo universo cultural. Na
época em que seus antecessores Bill Clinton e George W.
Bush, ambos de 62 anos, eram
pós-adolescentes e respectivamente protestavam contra ou
fugiam da Guerra do Vietnã, o
atual presidente era uma criança que via "Star Trek" na TV.
Não só Obama sabe quem é
Spock e sua saudação como admite a influência da série em
sua formação. Como muitos de
sua geração, o democrata diz
que o que o adulto reteve da experiência de criança foi a mensagem pacifista e multilateral
do programa, ao fazer da Federação Unida dos Planetas uma
metáfora para a Organização
das Nações Unidas (ONU).
"Fã-em-chefe"
Essa troca de guarda cultural
foi registrada e vem sendo discutida por colunistas, professores universitários e pensadores, gente como Henry Jenkins,
codiretor do programa de estudos comparativos de mídia do
Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT).
"Obama já foi chamado de o
"fã-em-chefe'", disse Jenkins à
Folha. "Todos os presidentes
americanos têm um impacto na
cultura popular, pois eles ajudam a dar o tom do país. Mas o
de Obama deve ser especialmente mais forte porque ele teve um nível de apoio intenso
nas indústrias chamadas criativas e atraiu muito interesse dos
jovens, que são o público-alvo
mais cobiçado entre aqueles
que produzem cultura."
"Como todos os presidentes,
ele é uma celebridade", concorda Robert Thompson, professor de cultura pop da Universidade de Syracuse, no Estado de
Nova York, falando à reportagem. "Mas é mais: é uma celebridade como as de Hollywood,
no sentido de que dita moda em
termos de gostos culturais e de
que nos faz querer saber o que
ele lê, ouve, assiste."
Nos pouco mais de quatro
meses em que está no poder, o
presidente foi a dois espetáculos de temática negra: uma
apresentação da companhia de
dança Alvin Ailey, que passava
por Washington, e uma peça na
Broadway, "Joe Turner's Come
and Gone", de August Wilson,
sobre descendentes de escravos que migram do Sul.
Mas disse que gosta de assistir a "Entourage", a série do canal pago HBO sobre um ator de
Hollywood e seu grupo de amigos brancos, citou num evento
público a série "Gossip Girl",
uma espécie de "Sex and The
City" adolescente, foi o segundo presidente no cargo a dar
entrevista para um talk-show e
gravou um comentário bem-humorado sobre a mudança de
Jay Leno para Conan O"Brien
no comando do programa "Tonight Show", na NBC.
"Agora seremos obrigados a
discutir "Entourage'", disse
Thompson, referindo-se à importância agregada a um produto cultural ao receber o
"apoio" presidencial. Isso pôde
ser sentido depois da entrevista
à "Newsweek", em que Obama
disse estar lendo "Netherland",
de Joseph O"Neill, uma das melhores ficções do ano passado,
sobre um casal de exilados na
Nova York pós-11 de Setembro.
Nas horas seguintes, as vendas do livro dispararam na
Amazon e fizeram a editora
apressar o lançamento da edição de bolso. "Ele é o presidente da internet, o presidente
BlackBerry e, agora, o presidente HBO", disse Thompson.
Presidente iPod
Ele já foi chamado também
de "o presidente iPod", ao revelar o que ouvia no seu aparelho.
Conforme novas músicas vão
vazando, percebe-se uma certa
constância de rappers como
Jay Z e Ludacris, o que levou
estudiosos a discutirem o efeito
que a chancela da Casa Branca
terá num gênero musical originalmente de protesto.
No outono americano, acredita Jenkins, do MIT, essa influência poderá começar a ser
vista também em filmes e programas de TV. "É difícil saber
de que maneira", diz o estudioso. "Mas será uma ruptura em
relação a Bush, cujo maior impacto pode ter sido a persistência da tortura como tema na
cultura popular americana, de
filmes de horror como "Saw" a
sua celebração em "24"."
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