São Paulo, terça-feira, 09 de junho de 2009

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"Spock Obama" gera ruptura cultural

Fã de "Star Trek" e de séries como "Entourage", presidente causa na sociedade impacto maior que o de seus antecessores

Pensadores se dedicam a estudar influência do líder dos EUA, que atrai jovens e deixa para trás a era da tortura na televisão


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Há algumas semanas, Barack Obama pediu à Motion Picture Association (MPA) que enviasse uma cópia do novo "Star Trek" para ele ver na sala de exibição da Casa Branca.
Espécie de Fiesp dos grandes estúdios norte-americanos, a MPA abastece a tela presidencial desde que Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) teve a ideia de transformar um closet de casacos em um minicinema com 40 lugares, nos anos 30.
Obama achou "muito bom" o mais recente capítulo cinematográfico da cultuada série de TV dos anos 60, segundo disse depois à revista "Newsweek". Indagado sobre o motivo da escolha, o democrata foi direto: "Todo o mundo estava dizendo que eu sou o Spock, então achei que eu deveria checar".
Na sequência, parou e fez a saudação popularizada pelo ator Leonard Nimoy na pele do personagem metade vulcaniano, metade humano, em que ele separa os dedos médio e anelar da mão direita. Obama se referia à comparação feita, entre outros, pela revista eletrônica "Slate" e por Maureen Dowd, do "New York Times", entre o personagem e o presidente (leia ao lado).
A chegada de Barack Obama, 48, à Casa Branca marca não só uma mudança de geração no comando do país mas também um novo universo cultural. Na época em que seus antecessores Bill Clinton e George W. Bush, ambos de 62 anos, eram pós-adolescentes e respectivamente protestavam contra ou fugiam da Guerra do Vietnã, o atual presidente era uma criança que via "Star Trek" na TV.
Não só Obama sabe quem é Spock e sua saudação como admite a influência da série em sua formação. Como muitos de sua geração, o democrata diz que o que o adulto reteve da experiência de criança foi a mensagem pacifista e multilateral do programa, ao fazer da Federação Unida dos Planetas uma metáfora para a Organização das Nações Unidas (ONU).

"Fã-em-chefe"
Essa troca de guarda cultural foi registrada e vem sendo discutida por colunistas, professores universitários e pensadores, gente como Henry Jenkins, codiretor do programa de estudos comparativos de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
"Obama já foi chamado de o "fã-em-chefe'", disse Jenkins à Folha. "Todos os presidentes americanos têm um impacto na cultura popular, pois eles ajudam a dar o tom do país. Mas o de Obama deve ser especialmente mais forte porque ele teve um nível de apoio intenso nas indústrias chamadas criativas e atraiu muito interesse dos jovens, que são o público-alvo mais cobiçado entre aqueles que produzem cultura."
"Como todos os presidentes, ele é uma celebridade", concorda Robert Thompson, professor de cultura pop da Universidade de Syracuse, no Estado de Nova York, falando à reportagem. "Mas é mais: é uma celebridade como as de Hollywood, no sentido de que dita moda em termos de gostos culturais e de que nos faz querer saber o que ele lê, ouve, assiste."
Nos pouco mais de quatro meses em que está no poder, o presidente foi a dois espetáculos de temática negra: uma apresentação da companhia de dança Alvin Ailey, que passava por Washington, e uma peça na Broadway, "Joe Turner's Come and Gone", de August Wilson, sobre descendentes de escravos que migram do Sul.
Mas disse que gosta de assistir a "Entourage", a série do canal pago HBO sobre um ator de Hollywood e seu grupo de amigos brancos, citou num evento público a série "Gossip Girl", uma espécie de "Sex and The City" adolescente, foi o segundo presidente no cargo a dar entrevista para um talk-show e gravou um comentário bem-humorado sobre a mudança de Jay Leno para Conan O"Brien no comando do programa "Tonight Show", na NBC.
"Agora seremos obrigados a discutir "Entourage'", disse Thompson, referindo-se à importância agregada a um produto cultural ao receber o "apoio" presidencial. Isso pôde ser sentido depois da entrevista à "Newsweek", em que Obama disse estar lendo "Netherland", de Joseph O"Neill, uma das melhores ficções do ano passado, sobre um casal de exilados na Nova York pós-11 de Setembro.
Nas horas seguintes, as vendas do livro dispararam na Amazon e fizeram a editora apressar o lançamento da edição de bolso. "Ele é o presidente da internet, o presidente BlackBerry e, agora, o presidente HBO", disse Thompson.

Presidente iPod
Ele já foi chamado também de "o presidente iPod", ao revelar o que ouvia no seu aparelho. Conforme novas músicas vão vazando, percebe-se uma certa constância de rappers como Jay Z e Ludacris, o que levou estudiosos a discutirem o efeito que a chancela da Casa Branca terá num gênero musical originalmente de protesto.
No outono americano, acredita Jenkins, do MIT, essa influência poderá começar a ser vista também em filmes e programas de TV. "É difícil saber de que maneira", diz o estudioso. "Mas será uma ruptura em relação a Bush, cujo maior impacto pode ter sido a persistência da tortura como tema na cultura popular americana, de filmes de horror como "Saw" a sua celebração em "24"."


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