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Renata Lucas abre estrada em Veneza
Artista brasileira fez trechos de asfalto
na Bienal depois de ter projetos vetados
Mostra não autorizou fazer
piscina em canal da cidade,
mas pôs ideia em livro; Renata
optou então por pavimentar
caminhos na área dos Giardini
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
O catálogo da 53ª Bienal de
Veneza, aberta anteontem para
o público, traz imagens surpreendentes de obras de Renata Lucas, 38, brasileira que vem
ganhando cada vez mais reconhecimento no circuito internacional da arte contemporânea. Numa das imagens, vê-se
uma convidativa piscina construída dentro de um dos canais
da cidade. Em outra, duas comportas interrompem o fluxo de
água, deixando aparecer no
fundo da laguna um insólito pedaço de estrada asfaltada.
Mas nenhuma dessas intervenções tornou-se realidade.
Como outras propostas apresentadas pela artista à Bienal,
não puderam ser construídas.
Não por que fossem consideradas ruins pelos curadores da
exposição, mas por parecerem
caras e de difícil realização.
Intervenções na arquitetura
e no espaço público são marca
registrada de Renata, que na
27ª Bienal de São Paulo duplicou uma calçada numa rua da
cidade, com postes e arbustos.
Em Veneza, algumas de suas
ideias não chegaram sequer às
mesas das autoridades que poderiam aprová-las: diante das
restrições que cercam as construções da cidade histórica, a
própria direção da mostra tratou-as como inexequíveis.
"Trabalhei muito, mas nada
podia ser levado adiante. Até
coisas mais simples, que pouco
mexiam com o espaço público,
foram recusadas", conta ela,
que contesta a idéia de que suas
propostas são difíceis e podem
alterar de maneira definitiva os
locais onde são realizadas. "Todos os meus projetos são reversíveis", diz a artista.
Ainda que seja assim, o fato é
que quando a Bienal foi fechar
o catálogo da exposição (em Veneza, diferentemente de São
Paulo, ele pode ser adquirido
na abertura do evento), Renata
ainda não tinha um trabalho
definido. "Sugeri então que publicassem no catálogo as imagens de todos os projetos que
eu havia proposto, e dei o nome
à série de "Venice Suitcase"
(mala de Veneza)."
Depois de uma negociação
que classifica como "exaustivo", ela conseguiu, enfim, sinal
verde para uma obra de execução menos complexa do que
uma piscina, mas de resultado
não menos interessante.
Estrada
Nos dois principais espaços
da Bienal, os Giardini (jardins)
e o Arsenale, a artista instalou
pedaços de uma estrada de asfalto sob o solo -ainda que a
pouca profundidade. No início,
a autorização para a camada de
asfalto no piso dos Giardini
(originalmente de terra e pedrisco) era para apenas 20 m2,
mas a Bienal conseguiu que
chegasse a 90 m2. No Arsenale,
são menores, com menos de 10
m2, e ficam dentro do pavilhão.
"Grandes mostras como a
Bienal de Veneza são quase
sempre um quebra-cabeça,
uma negociação entre o desejo
do artista e a realidade. Mas essas dificuldades também têm
um lado interessante. Tudo isso me fez lembrar um filme do
Lars Von Trier chamado "Five
Obstructions", que tem como
tema uma série de restrições ao
trabalho de um cineasta. Foi
cansativo, mas no final fiquei
satisfeita com o resultado", diz
Renata.
As instalações dão o que pensar. Uma das ideias que suscitam -da qual a artista particularmente gosta- é a de se poder encontrar sob a superfície
da velha cidade não uma camada do passado, mas alguma coisa do futuro, uma estrada de
asfalto. "É como escrever a história ao contrário", diz.
Renata recebeu o convite para participar da Bienal em julho de 2008, quando estava em
Barcelona. Logo a seguir fez
uma primeira visita à cidade,
retornou em novembro e, em
janeiro, alugou um quarto para
ficar. "Eu sou demorada, custo
a fazer, preciso de tempo para
pensar", explica. Durante os
meses em que se defrontou
com Veneza, descobriu um lugar labiríntico, histórico e, ao
mesmo tempo, artificial.
"As camadas que não podem
ser mexidas nem sempre são
tão históricas assim. Há coisas
que foram feitas há pouco tempo, mas são tratadas como se
fossem muito antigas. Embora
tenha um lado muito legal, Veneza é uma cidade-souvenir,
um parque de diversões, e a
Bienal, de certa forma, reflete
tudo isso", diz.
Fechada a mala de Veneza,
Renata vai passar um período
em Berlim. Ela ganhou o prêmio Ernest Young, que lhe oferece estadia na cidade e uma
exposição na Kunstwerk. Um
outro prêmio, da Dena Foundation, vai resultar num livro,
que deve ser publicado em
novembro.
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