São Paulo, quarta-feira, 09 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCELO COELHO

O elevador cordial


Síndicos e outras autoridades poderiam instituir um curso rápido para andar de elevador

TUDO BEM , muitas pessoas dirigem mal (incluo-me entre elas), têm dificuldades com os comandos do celular (sou uma nulidade nesse ponto) e se confundem muito com os controles remotos da casa (estou na média quanto a isso).
Existem contudo algumas habilidades básicas, que já não deveriam constituir segredo para ninguém. Só que, em pleno século 21, muita gente não as domina a contento.
Andar de elevador, por exemplo.
Peço perdão pela rabugice. Mas acho que síndicos e outras autoridades poderiam instituir um curso rápido para andar de elevador, assim como o Detran impõe o seu para infratores ao volante.
Não penso apenas nas noções básicas, como aquela que proíbe segurar a porta por muito tempo, por exemplo.
Uma norma igualmente importante, mas aparentemente desconhecida entre nós, é a de esperar a chegada do elevador a uma certa distância da porta. Costumamos fazer o contrário: encostar o rosto no vidrinho, para ver se o elevador está chegando.
Falta de civilidade. Quando o elevador chega, quem está saindo dele tende a dar de cara com a barriga do vizinho.
Há também as pessoas que, num elevador razoavelmente vazio, grudam no painel dos botões, impedindo que novos passageiros apertem o do andar aonde querem ir. Outros não se conformam com o botão já apertado. Se não o apertarem eles mesmos, não se sentem donos do próprio destino.
Critico esses passageiros com "complexo de ascensorista", mas admito ter um hábito muito chato também: sou sempre aquele que puxa antes a porta do elevador. Isto é, quando estou do lado de fora, e o elevador chega, não espero para ver se dentro havia alguém.
O passageiro que estava empurrando a porta para sair corre o risco de levar um tombo feio, desequilibrado pelo puxão que dei precocemente.
Ignoramos, enfim, que um elevador também tem "mão e contramão". Nesse aspecto, é um meio de transporte bastante complexo. Fico do lado direito quando chamo o elevador. Mas deveria deslocar-me para a esquerda depois de feito isso, para não entravar a saída de ninguém.
Mão e contramão parecem ser profundamente ignoradas, aliás, em outra invenção moderna, os bufês de salada em churrascaria, nos quais muitas confusões de tráfego poderiam ser evitadas com o uso de sinalização correta.
Outra coisa que não entendo, mas talvez aí exista alguma razão biológica para o fenômeno, são as pessoas que nunca sabem se o elevador subiu ou desceu. Pensam ter chegado ao térreo e estão no vigésimo andar.
Por outro lado, é bem simpático, apesar de não ter lógica nenhuma, um hábito de que absolutamente não compartilho. É quando a pessoa abre o elevador e pergunta aos que estão dentro: "Sobe?".
Não, estão todos descendo. A pessoa queria subir. Mas mesmo assim entra no elevador. "Não faz mal, dou um passeio."
Fico sempre pensando: "Então, por que perguntou?". Mas não me irrito. Creio que as pessoas com esse hábito revelam, sem dúvida, seu gosto pelo convívio humano.
Acham estranho entrar num elevador sem dizer nada, do mesmo modo que alguns estrangeiros não entendem como podemos iniciar uma refeição sem dizer "bom apetite". E talvez imaginem que a gente se ofenda, caso desprezem nossa companhia pelo simples fato de que não vamos no mesmo rumo.
Lembro-me de ter ouvido poucas e boas, num país estrangeiro, por não saber usar direito a escada rolante. A regra é ficar parado do lado direito, deixando o esquerdo para quem está com pressa e quer desembestar pelos degraus. Até onde sei, ninguém presta muita atenção a essa norma no Brasil. Que concluir desse desregramento ascensorístico? Entre a "casa" e a "rua", para usar as categorias de Roberto da Matta, o elevador é um espaço liminar, de separações ainda nebulosas entre os direitos dos outros e os nossos.
Trata-se também, como qualquer outro meio de transporte no Brasil, de um local de embolamento, de contato físico. Não se tem aqui a mesma alergia que nos países anglo-saxões à proximidade corporal.
Desconfio, ademais, de um último motivo. Não tanto quanto de aviões, ainda assim as pessoas têm medo de elevador. Aproximam-se, embaraçam-se, atropelam-se e se atrapalham para se proteger de uma pane, ou, pior, daquele fosso profundo que as espreita em todo condomínio, e que também pode ter um outro nome, o de solidão.


coelhofsp uol.com.br


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Música: Ex-Village People faz cirurgia nas cordas vocais
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.