São Paulo, sábado, 09 de julho de 2011 |
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CRÍTICA CRÔNICA E CONTO Livro de Chamie é acervo saboroso de memória e invenção "Neonarrativas: Breves e Longas" tem como tema as avenças e desavenças literárias do próprio poeta NELSON DE OLIVEIRA ESPECIAL PARA A FOLHA O princípio de rebeldia que motivou as vanguardas artísticas e literárias do século 20 parece ter se esgotado. Não deu mais frutos. Hoje a maioria dos escritores recebe essa notícia com estranho entusiasmo: "as vanguardas bateram as botas, ufa, que alívio!". Mário Chamie, morto domingo passado, aos 78 anos, não era um nostálgico, mas lamentava essa mudança de paradigma. Chamie foi, durante alguns anos, a vanguarda de um homem só. Criador da poesia práxis, suas disputas com os concretistas ficaram lendárias. Bons tempos em que os poetas faziam a diferença, propondo as grandes questões teóricas. "Neonarrativas: Breves e Longas" é uma saborosa coleção de crônicas e contos. É quase uma continuação de seu livro anterior, "Pauliceia Dilacerada" (2009), sobre o escritor Mário de Andrade (1893-1945). As novas ficções revelam um prosador malicioso e traquejado. Seu espectro temático vai da crise conjugal à rotina dos cartórios, passando pelo erotismo e pelo mundo rural. Mas o melhor do livro são mesmo as crônicas. Nelas, memória e invenção se misturam, para tratar com delicadeza do assunto principal: o próprio autor, suas avenças e desavenças literárias e profissionais. Vaidade e autorreferência demais costumam azedar livros como este. Não aconteceu aqui. O leitor tem um pouco de Mário Chamie por Mário Chamie, sem correr o risco de atolar no mau gosto. INJUSTIÇADOS Chamie viu muito a si mesmo, mas também viu Borges (1899-1986), em visita ao Brasil, tentando driblar a nossa chatice protocolar. Juan Rulfo (1918-1986) entregando um buquê de flores a uma menina de olhos tristes. O poeta Giuseppe Ungaretti (1888-1970) e o diretor do Masp Pietro Maria Bardi (1900-1999) xingando-se de fascista pelas costas. Os textos mais malandros ironizam o brejo afetado das repartições públicas e das homenagens oficiais. Os mais tocantes reencontram certas personalidades no momento em que estão sofrendo uma grande injustiça: Glauber Rocha (1939-1981) vilipendiado, Oswald de Andrade (1890-1954) no ostracismo, Mário de Andrade demitido do departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, Gilberto Freyre (1900-1987) banido pelos intelectuais da USP. INJUSTIÇADO Nas últimas décadas, o tópico do intelectual injustiçado foi importante para Chamie, que frequentemente se colocava nesse grupo. Numa crônica sobre celebridades da TV e do cinema, se intitula como "poeta obscuro e quase clandestino". No tempo das vanguardas, um livro sempre vinha com um bônus: um manifesto. Ou no mínimo com uma boa controvérsia. As "neonarrativas" de Chamie aceitam bem a morte das vanguardas, mas lamentam muito o fim das polêmicas artísticas e literárias. NELSON DE OLIVEIRA é autor de ""Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral) NEONARRATIVAS: BREVES E LONGAS AUTOR Mário Chamie EDITORA Funpec QUANTO R$ 30 (292 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Painel das Letras - Josélia Aguiar: Um Rosa é um Rosa Próximo Texto: Crítica/Romance: "Jakob Von Gunten" ilumina um mundo de insignificâncias Índice | Comunicar Erros |
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