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Autor de "Humanenochum", compositor é um dos patriarcas da tradição do samba de roda da Bahia
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
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Riachão, um dos pilares do samba da Bahia com Batatinha, que lança hoje e amanhã em São Paulo seu CD "Humanenochum" |
Riachão
BAIANO ESTRÉIA NO FORMATO CD AOS QUASE 80
Representante da vertente alegre da música local, artista é precursor do axé, com o qual diz não se misturar
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A um mês de completar 80 anos,
o sambista Clementino Rodrigues, mais popular em seu Estado
natal como Riachão, poderia ser
interpretado como um vovô da
atual música pop baiana, matriz
tanto de Carlinhos Brown quanto
do Compadre Washington.
Mas, não, Riachão não é inventor da axé music nem do samba-reggae, como demonstra o agora
nacionalmente lançado "Humanenochum", sua chegada tardia
ao mundo do CD. O nexo entre
passado e presente pode até se dar
pelo parentesco de É o Tchan com
o samba de roda da Bahia, mas é
na alegria musical que Riachão se
faz avô, pai e irmão da rapaziada.
E, não, ele não se identifica com
axé. "Música é como chita na loja.
Tudo é bom e bonito, não posso
condenar. A mesma fazenda de
tecido que um odeia o outro acha
linda. Não me meto, cada macaco
no seu galho", diz, auto-referente.
É que "Cada Macaco no Seu Galho" é até hoje seu principal sucesso, porque foi gravado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, quando
voltavam do exílio político em
Londres, em 72. A referência à
chita é Riachão misturando ofícios na memória: aprendiz de alfaiate foi outra de suas profissões.
Se ele é reticente quanto ao axé,
seus "netos" também são. Quem
faz o atalho é o músico baiano Paquito, 37, responsável há quatro
anos pela volta ao disco do sambista histórico baiano Batatinha
(1924-97) e produtor, com J. Velloso, de "Humanenochum":
"Riachão é precursor dessa gente que manda tirar o pé do chão,
mas ele é elegante. A axé music é
descuidada com sua origem.
Mandei músicas de Riachão para
Ivete Sangalo e Daniela Mercury,
elas nunca gravaram. O que falta é
coragem, curiosidade".
Perdido por uns dias em São
Paulo (faz shows hoje e amanhã,
no Sesc Pompéia), Riachão conta
sua vida desde antes da alfaiataria.
Primeiro, o apelido: "Na Bahia,
quando um sujeito era destemido
e brigava muito, era chamado de
riachão. Quando criança, eu admirava muito Lampião, não tirava um punhal da cintura. Sentia
prazer em ser o riachão. Mas este
seu amigo há muitos anos passou
a odiar a violência. Nem na TV vejo mais programas de agressão".
Chegou a usar o punhal antes de
deixar de ser riachão para virar
Riachão? "Vim a usar o punhal,
mas já tinha 15 anos. Botei camarada no hospital através do punhal. Minha família é de Santo
Amaro, gente boa, mas que briga
muito", diz, falando da terra que
também é de Caetano.
A memória octogenária parece
ainda misturar música e violência. "A música entrou aos 14 anos.
Era punhal e música, briga e música. Um dia vi um pedaço de revista na rua. Não tive escola, mal
sei ler, mas vi que falava que "se o
Rio não escrever a Bahia não canta". Cheguei em casa machucado
com isso. Foi quando Jesus me
mandou o primeiro samba, "sei
que sou malandro, sei/ conheço
meu proceder". Que emoção
quando isso chegou ao meu juízo.
Cantei o dia inteiro. Com 15 anos
comecei, com essa música."
Logo Riachão constituiu persona artística preocupada com imagem acompanham-no até hoje
anéis, lenços, boné e uma indispensável toalha no pescoço. Na
Rádio Sociedade da Bahia, apresentou programas e cantou em
duplas, trios e solo de 44 até 71.
"Aí acabou o rádio, por causa da
TV. Aqueles artistas todos perderam seu espaço, muitos morreram apaixonados." Da rádio, foi
ser contínuo. "Falei com Antonio
Carlos Magalhães, que já era governo, e ele me arranjou esse emprego no Desenbanco, pelo qual
agradeço de todo o coração."
Paradoxalmente, foi aí que seu
nome ganhou maior circulação,
graças à gravação de Caetano e Gil
e à consequente edição do LP
"Samba da Bahia" (Philips, 73, fora de catálogo), dividido com seus
pares Batatinha e Panela.
O samba que encantou Caetano
e Gil fora composto por volta de
1964. Reza a lenda que versos como "o meu galho é na Bahia", "o seu é em outro lugar" eram endereçados a um político, mas Riachão não está disposto a decifrar o
caso: "Sou muito esquecido. Baseadamente, não me lembro disso. Não gosto desses negócios de
políticos", corta. Mas lembra o
encontro com Caetano e Gil:
"Eles foram à Bahia e formaram
uma reunião com o pessoal da
Philips para escolher uma música
que fosse adequada à vinda deles
ao Brasil. Chamaram os sambistas da Bahia, mas fui traído por
meus companheiros, que não me
passaram o recado. Caetano e Gil
namoravam as filhas de seu Gadelha, que era meu chefe no banco.
Na segunda, quando cheguei, o
sogro reclamou minha falta. Expliquei tudo, ele fez um bilhete
para eu comparecer à casa deles".
"Tomei umas cachaças e fui. Estava toda a turma da Philips de
mortalha, era sábado de Carnaval.
Fui cantando. Quando comecei
"Cada Macaco no Seu Galho", só vi
a turma fazendo sinal de positivo
com a mão. Dali a pouco era só
grito, "é essa, malandro!"."
Fora daquela breve bolha, permaneceu à margem até a tentativa
atual de Paquito e J. Velloso,
quando Riachão pode ser tido como "o avô de Carlinhos Brown",
como defende Carlos Rennó,
"oportunista benéfico e útil" ao
assumir o posto de co-diretor
musical dos shows em São Paulo,
segundo suas próprias palavras.
Riachão concorda? "Concordo,
esses meninos eram crianças e
aprenderam muita coisa com este
amigo seu. E seguem aprendendo, mas meu ritmo é um só: o
samba do morro carioca."
Uai, mas o samba não nasceu na
Bahia? "Nasceu, mas foi o samba
de roda, de capoeira, que o Rio lapidou. O que condeno na minha
terra é que não abraçou o samba
como o Rio. Deixam de cantar o
samba gostoso para abraçar axé
music. Fazem umas batidas diferentes dizendo que é pagode, não
é. Mas muito jovem gosta do nosso ritmo da velha-guarda, deste
veneno do samba que é Riachão."
HUMANENOCHUM - Show de
lançamento do disco homônimo de
Riachão. Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia,
93, tel. 0/xx/11/3871-7700). Quando:
hoje e amanhã, às 21h. Quanto: R$ 15.
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