São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2006

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

A solidão de Churchill

Como nos anos 30, podemos fingir que uma doutrina armada não está a bater à porta. Seria um equívoco...

É DIFÍCIL falar de Churchill sem clichês. O homem que salvou a Europa na Segunda Guerra? Fato. Mas, se Churchill tivesse morrido em 1939, com seus 65 anos de idade, seria hoje lembrado como um fracasso político, à imagem do pai, lorde Randolph. Militarmente, Churchill falhara em Gallipoli, e esse ataque em 1915 manchou a sua carreira de forma profunda. E, em termos partidários, Churchill abandonara os conservadores pelos liberais (em 1904) e os liberais pelos conservadores (em 1924).
Na década de 30, Churchill era um homem só. Suspeito aos olhos dos conservadores; suspeito aos olhos dos liberais; odiado pelos trabalhistas, que viam em Churchill a pura encarnação do Diabo (imagem agravada pela oposição à autonomia indiana). Mas era também um homem só pela sua posição face a Hitler. O ditador chegara ao poder em 1933? A Europa seria devorada por ele, avisava Churchill. O aviso reforçava a solidão. Ninguém queria escutar.
E ninguém queria escutar por motivos vários. Sim, a memória da Primeira Guerra ainda era forte nos contemporâneos. Quem, em juízo normal, desejava um retorno à carnificina? Mas existia também uma razão suplementar: se Versalhes tratara a Alemanha com dureza (opinião partilhada pela maioria), Hitler, pelo menos, levantava o seu país. E, além disso, o feroz anticomunismo do führer era a melhor garantia contra Stálin.
Churchill nunca comprou essa versão. Hitler era uma ameaça para a civilização européia -e escrevo "européia" de propósito. Para o velho Winston, o futuro da Inglaterra era indissociável do futuro da Europa. E só um ingênuo podia acreditar (como Chamberlain, antes de 1939; ou Halifax, depois) que Hitler ficaria saciado com o centro e o leste do continente. De fato, não ficou.
Há 70 anos, a "política de apaziguamento", que Churchill combateu, não evitou que a realidade se impusesse com violência. Setenta anos depois, desconfio que nenhuma "política de apaziguamento" irá evitar que a realidade regresse com violência igual. Porque existem duas formas de olhar para o atual conflito no Oriente Médio.
A primeira é acreditar, como a maioria, que tudo se trata de um mero problema regional, ou territorial, e que o Hizbollah, financiado e treinado por um Irã com vocação imperial (e nuclear), deseja apenas um Líbano livre da presença israelita.
Outra, mais desconfortável (e minoritária), é não iludir a realidade e levar a sério o que diz o islamismo radical: que o objetivo é a destruição de Israel e, a prazo, de um Ocidente "infiel" e "decadente".
Como na Europa dos anos 30, podemos fingir que uma doutrina armada não está a bater à porta. Seria, como foi no passado, um equívoco.

 

P.S.: Não vale a pena prolongar a polêmica sobre a Guerra Civil Espanhola. Mantenho o que disse: em 1936/39, foi uma pena os dois lados não terem perdido. Porque os dois lados não eram recomendáveis. Se o sr. embaixador da Espanha discorda, eu respeito. Só espero, sem insistir, que esse respeito seja mútuo.


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