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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A solidão de Churchill
Como nos anos 30, podemos fingir que uma doutrina armada não está a bater à porta. Seria um equívoco...
É DIFÍCIL falar de Churchill
sem clichês. O homem que
salvou a Europa na Segunda
Guerra? Fato. Mas, se Churchill tivesse morrido em 1939, com seus 65
anos de idade, seria hoje lembrado
como um fracasso político, à imagem do pai, lorde Randolph. Militarmente, Churchill falhara em Gallipoli, e esse ataque em 1915 manchou
a sua carreira de forma profunda. E,
em termos partidários, Churchill
abandonara os conservadores pelos
liberais (em 1904) e os liberais pelos
conservadores (em 1924).
Na década de 30, Churchill era um
homem só. Suspeito aos olhos dos
conservadores; suspeito aos olhos
dos liberais; odiado pelos trabalhistas, que viam em Churchill a pura
encarnação do Diabo (imagem agravada pela oposição à autonomia indiana). Mas era também um homem
só pela sua posição face a Hitler. O
ditador chegara ao poder em 1933?
A Europa seria devorada por ele, avisava Churchill. O aviso reforçava a
solidão. Ninguém queria escutar.
E ninguém queria escutar por motivos vários. Sim, a memória da Primeira Guerra ainda era forte nos
contemporâneos. Quem, em juízo
normal, desejava um retorno à carnificina? Mas existia também uma
razão suplementar: se Versalhes tratara a Alemanha com dureza (opinião partilhada pela maioria), Hitler, pelo menos, levantava o seu
país. E, além disso, o feroz anticomunismo do führer era a melhor garantia contra Stálin.
Churchill nunca comprou essa
versão. Hitler era uma ameaça para
a civilização européia -e escrevo
"européia" de propósito. Para o velho Winston, o futuro da Inglaterra
era indissociável do futuro da Europa. E só um ingênuo podia acreditar
(como Chamberlain, antes de 1939;
ou Halifax, depois) que Hitler ficaria
saciado com o centro e o leste do
continente. De fato, não ficou.
Há 70 anos, a "política de apaziguamento", que Churchill combateu, não evitou que a realidade se
impusesse com violência. Setenta
anos depois, desconfio que nenhuma "política de apaziguamento" irá
evitar que a realidade regresse com
violência igual. Porque existem duas
formas de olhar para o atual conflito
no Oriente Médio.
A primeira é acreditar, como a
maioria, que tudo se trata de um mero problema regional, ou territorial,
e que o Hizbollah, financiado e treinado por um Irã com vocação imperial (e nuclear), deseja apenas um Líbano livre da presença israelita.
Outra, mais desconfortável (e minoritária), é não iludir a realidade e
levar a sério o que diz o islamismo
radical: que o objetivo é a destruição
de Israel e, a prazo, de um Ocidente
"infiel" e "decadente".
Como na Europa dos anos 30, podemos fingir que uma doutrina armada não está a bater à porta. Seria,
como foi no passado, um equívoco.
P.S.: Não vale a pena prolongar a
polêmica sobre a Guerra Civil Espanhola. Mantenho o que disse: em
1936/39, foi uma pena os dois lados
não terem perdido. Porque os dois
lados não eram recomendáveis. Se o
sr. embaixador da Espanha discorda, eu respeito. Só espero, sem insistir, que esse respeito seja mútuo.
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