São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2006

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MARCELO COELHO

Dia dos Pais com toque de classe

Os anúncios para a data são uma boa amostra dos embaraços que cercam a figura paterna

PUBLICITÁRIOS ENCONTRAM solução para qualquer coisa, mas imagino que esta época do ano seja um bocado difícil para eles.
Quando se trata de fazer anúncios para o Dia das Mães, tudo ajuda: há o velho complexo de Édipo, a tolerância geral para um tanto de sentimentalidade, a grande oferta de produtos adequados para a ocasião.
No Dia dos Pais, as agências se vêem diante de um problema mais complexo. Os movimentos do consumidor provavelmente não têm a mesma espontaneidade; não é tão fácil achar um presente; e um pai que se preze não há de se derramar com qualquer coisinha.
Os anúncios que andei vendo nos jornais e revistas constituem uma boa amostra dos embaraços e tensões que costumam cercar a figura paterna. Surgem desde sem-gracices previsíveis a atos falhos constrangedores e verdadeiros escândalos de cinismo.
Nesta última categoria, o exemplo mais chocante é um anúncio do Shopping Iguatemi, que o governador Claudio Lembo fará bem em incluir no seu próximo requisitório contra as elites burguesas.
Aliás, com a rotinização dos ataques do PCC, tudo indica que Lembo terá de renovar constantemente o estilo de suas denúncias à "minoria branca"; mas vamos ao anúncio do Iguatemi.
Um menino de cara redonda, casaquinho preto e golas brancas, o cabelo grudado de brilhantina, encara o leitor com o olhar penetrante e a confiança sorridente de um "chairman" da indústria bélica americana dos anos 60. Ao seu lado, usando gravata vermelha e uma camisa azul de risquinhos que seria da Daslu se a Daslu fosse no shopping, um modelo fotográfico de cabelo desalinhado e olhos azuis, aparentando 30 anos, no máximo, posa de papai.
Papai está sentado numa cadeira de barbeiro, toalhão no pescoço, como nos velhos tempos. Seu rosto está apenas levemente ensaboado. Se o cobrissem inteiramente de creme de barba, como seria normal, ele virava Papai Noel, e teríamos o que se chama de "ruído" na comunicação.
Mas deixemos em sua cadeira, à espera da navalha, esse jovem e inocente pai. O que importa é o texto do anúncio: "Você vai herdar tudo dele. Está aqui mais um motivo para caprichar no presente".
Depois desse anúncio, se eu recebesse um presente do meu filho com embrulho do Iguatemi, decidiria deserdá-lo de imediato. O apelo ao auto-interesse, ao desejo freudiano de assassinar o pai, surge aqui sem problemas, com um obsceno toque de classe: no mundo do Iguatemi, heranças devem ser levadas em consideração. As elites que se cuidem: há mais famílias von Richthofen do que se pode pensar à primeira vista.
Um lapso igualmente psicanalítico, entretanto mais ingênuo e popular, aparece num anúncio das Casas Pernambucanas. "Dia dos Pais: Acerte o presente de quem você ama." Ao lado, a foto enorme de uma furadeira elétrica de alto impacto. O público-alvo desse anúncio, como se diz, é outro, mas fará bem em tomar tanto cuidado com os filhos quanto o sorridente milionário do Iguatemi.
Num estágio social e psicológico anterior a esses dois anúncios, é a figura do pai repressor, neutralizada pelo humorismo publicitário, quem sobrevive nas mensagens do Shopping Continental. Um menino esperto cruza os dedos diante dos lábios. "Não fui eu, pai. Juro." O resto do anúncio explica: "Sujou pro seu lado? Ainda bem que pra tudo na vida tem jeito (...) é só comprar o presente dele no Continental. Limpe sua barra. Passe no Continental".
Na mesma linha, uma loja de produtos esportivos recomenda: "Não corra do seu pai. Corra com ele".
Nas Lojas Americanas, a mesma idéia, desta vez voltada para o público feminino: "Por alguns meses ele vai esquecer de perguntar que horas você vai e volta, se o celular está ligado, se a saia está muito curta e se o seu namorado não tem sofá na casa dele".
Eis um mundo em que a troca, a negociação, e, falando metaforicamente, a "corrupção da Justiça" fazem mais sentido do que o carinho ou a emotividade, reservados para o Dia das Mães. Pelo menos, não é o mundo em que interessa diretamente planejar a herança do pai ou "atingi-lo em cheio" com uma furadeira.
Para não parecer nostálgico, termino com um anúncio cuja crueza arremessa tudo, Freud e Milton Friedman, pelos ares.
É uma peça publicitária da Pfizer, laboratório que criou o Viagra. "Não basta ser pai, tem que praticar." Espero que se dirija às jovens mães, e não às filhas. Mas, nos dias de hoje, nunca se sabe.


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