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MARCELO COELHO
Dia dos Pais com toque de classe
Os anúncios para a data são uma boa amostra dos embaraços que cercam a figura paterna
PUBLICITÁRIOS ENCONTRAM solução para qualquer coisa,
mas imagino que esta época
do ano seja um bocado difícil para
eles.
Quando se trata de fazer anúncios
para o Dia das Mães, tudo ajuda: há o
velho complexo de Édipo, a tolerância geral para um tanto de sentimentalidade, a grande oferta de produtos adequados para a ocasião.
No Dia dos Pais, as agências se
vêem diante de um problema mais
complexo. Os movimentos do consumidor provavelmente não têm a
mesma espontaneidade; não é tão
fácil achar um presente; e um pai
que se preze não há de se derramar
com qualquer coisinha.
Os anúncios que andei vendo nos
jornais e revistas constituem uma
boa amostra dos embaraços e tensões que costumam cercar a figura
paterna. Surgem desde sem-gracices previsíveis a atos falhos constrangedores e verdadeiros escândalos de cinismo.
Nesta última categoria, o exemplo
mais chocante é um anúncio do
Shopping Iguatemi, que o governador Claudio Lembo fará bem em incluir no seu próximo requisitório
contra as elites burguesas.
Aliás, com a rotinização dos ataques do PCC, tudo indica que Lembo terá de renovar constantemente
o estilo de suas denúncias à "minoria branca"; mas vamos ao anúncio
do Iguatemi.
Um menino de cara redonda, casaquinho preto e golas brancas, o cabelo grudado de brilhantina, encara
o leitor com o olhar penetrante e a
confiança sorridente de um "chairman" da indústria bélica americana
dos anos 60. Ao seu lado, usando
gravata vermelha e uma camisa azul
de risquinhos que seria da Daslu se a
Daslu fosse no shopping, um modelo fotográfico de cabelo desalinhado
e olhos azuis, aparentando 30 anos,
no máximo, posa de papai.
Papai está sentado numa cadeira
de barbeiro, toalhão no pescoço, como nos velhos tempos. Seu rosto está apenas levemente ensaboado. Se
o cobrissem inteiramente de creme
de barba, como seria normal, ele virava Papai Noel, e teríamos o que se
chama de "ruído" na comunicação.
Mas deixemos em sua cadeira, à
espera da navalha, esse jovem e inocente pai. O que importa é o texto do
anúncio: "Você vai herdar tudo dele.
Está aqui mais um motivo para caprichar no presente".
Depois desse anúncio, se eu recebesse um presente do meu filho com
embrulho do Iguatemi, decidiria deserdá-lo de imediato. O apelo ao auto-interesse, ao desejo freudiano de
assassinar o pai, surge aqui sem problemas, com um obsceno toque de
classe: no mundo do Iguatemi, heranças devem ser levadas em consideração. As elites que se cuidem: há
mais famílias von Richthofen do que
se pode pensar à primeira vista.
Um lapso igualmente psicanalítico, entretanto mais ingênuo e popular, aparece num anúncio das Casas
Pernambucanas. "Dia dos Pais:
Acerte o presente de quem você
ama." Ao lado, a foto enorme de uma
furadeira elétrica de alto impacto. O
público-alvo desse anúncio, como se
diz, é outro, mas fará bem em tomar
tanto cuidado com os filhos quanto
o sorridente milionário do Iguatemi.
Num estágio social e psicológico
anterior a esses dois anúncios, é a figura do pai repressor, neutralizada
pelo humorismo publicitário, quem
sobrevive nas mensagens do Shopping Continental. Um menino esperto cruza os dedos diante dos lábios. "Não fui eu, pai. Juro." O resto
do anúncio explica: "Sujou pro seu
lado? Ainda bem que pra tudo na vida tem jeito (...) é só comprar o presente dele no Continental. Limpe
sua barra. Passe no Continental".
Na mesma linha, uma loja de produtos esportivos recomenda: "Não
corra do seu pai. Corra com ele".
Nas Lojas Americanas, a mesma
idéia, desta vez voltada para o público feminino: "Por alguns meses ele
vai esquecer de perguntar que horas
você vai e volta, se o celular está ligado, se a saia está muito curta e se o
seu namorado não tem sofá na casa
dele".
Eis um mundo em que a troca, a
negociação, e, falando metaforicamente, a "corrupção da Justiça" fazem mais sentido do que o carinho
ou a emotividade, reservados para o
Dia das Mães. Pelo menos, não é o
mundo em que interessa diretamente planejar a herança do pai ou
"atingi-lo em cheio" com uma furadeira.
Para não parecer nostálgico, termino com um anúncio cuja crueza
arremessa tudo, Freud e Milton
Friedman, pelos ares.
É uma peça publicitária da Pfizer,
laboratório que criou o Viagra. "Não
basta ser pai, tem que praticar." Espero que se dirija às jovens mães, e
não às filhas. Mas, nos dias de hoje,
nunca se sabe.
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