São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2007

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Crítica

Filme equilibra retrato do artista e busca do pai

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Quem só conhece Marina Person daqueles programas bobocas da MTV terá uma grata surpresa ao ver "Person". É um filme belo, sensível e maduro, que equilibra admiravelmente o registro afetivo e o histórico.
Luiz Sergio Person (1936-76), pai da diretora, teve uma vida breve e intensa, e deu ao cinema duas obras fundamentais: "São Paulo S/A" (1965) e "O Caso dos Irmãos Naves" (1967). O primeiro radiografa a formação da nossa torta modernidade urbana; o segundo investiga o autoritarismo e a brutalidade arraigados na nossa estrutura sociopolítica.
O lugar de Person na cultura nacional, em especial nos efervescentes anos 60, é delineado com clareza no filme por meio de depoimentos de gente que conviveu e trabalhou com ele.
De Raul Cortez a Jorge Ben Jor, de Antunes Filho a Jean-Claude Bernardet, os testemunhos compõem a imagem multifacetada de um criador inquieto, que não se acomodou às facilidades que sua sólida formação poderia lhe proporcionar, mas queimou constantemente seus navios para recomeçar sempre quase do zero.
Em paralelo a esse eixo, a diretora persegue outro caminho, mais pessoal, o da busca do pai ausente, que morreu quando ela tinha seis anos. Entram aí imagens de filmes domésticos e evocações das três mulheres deixadas pelo cineasta: a viúva Regina Jehá e as filhas Marina e Domingas. É claro que essas duas linhas se entrelaçam a todo momento, até porque a personalidade passional de Person acabava tocando seus parceiros de trabalho.
Alguns assuntos esboçados poderiam ser mais desenvolvidos: a relação complicada do paulista Person com os cariocas do cinema novo; a formação em Roma; as tentativas de fazer cinema popular (com "Panca de Valente" e "Cassy Jones"). O filme é curto (74 min.) para uma vida tão rica.
Um dos registros mais contundentes recuperados é a entrevista de Person à TV Cultura, pouco antes de sua morte.
Por trás do humor cáustico com que o cineasta fustiga os publicitários e da ironia com que rememora altos e baixos, nota-se indisfarçável amargura, talvez por conta das frustrações com seu projeto mais caro, a adaptação de "A Hora dos Ruminantes", de José J. Veiga.
Dias depois, Marina perderia o pai e o Brasil perderia um de seus grandes artistas. "Person" é a expiação dessa dupla dor.


PERSON
Direção:
Marina Person
Produção: Brasil, 2007
Onde: em cartaz a partir de amanhã no Espaço Unibanco
Avaliação: bom


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