São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2007

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NINA HORTA

Garçom, um Jack Daniel's... duplo!

Fazia tempo que não comia alguma coisa que satisfizesse não só meu paladar como me deixasse feliz

INGREDIENTES NOVOS, cada dia mais raros. Adorei encontrar arenque fresco no Empório Santa Luzia. Deliciosos, gordos, ricos. São bons de todo jeito, mas talvez melhores se riscados, grelhados, ou passados em aveia e fritos.
Para limpá-los, remove-se a cabeça e as vísceras e massageia-se o peixe por uns dois minutos. Pega-se, então, a parte exposta das vértebras e puxa-se. Ele ficará do avesso. Tire o osso junto do rabo e vire o arenque de novo. Está pronto para ser recheado.
Estão acabando as castraure do restaurante Fasano. O que são elas?
A primeira alcachofrinha que surge no pé e é cortada para fortificar a planta. Os venezianos esperam por ela avidamente. Não sei de nada no Brasil que se espere assim, sem fôlego, sem ar. Jabuticaba, pequi, manga-coquinho? Pelo menos em São Paulo, onde nosso pomar é o supermercado, temos poucas surpresas de balançar o coração. Mas, voltando às alcachofrinhas, pedi no Fasano um prato daqueles de alma. Fazia tempo que não comia alguma coisa que satisfizesse não só meu paladar, mas que me deixasse feliz comigo mesma.
Engraçado que nem é por causa das castraure, mas pelo risoto de fregole, um macarrão de semolina tostado, feito como um saboroso risoto, e com a alcachofra por cima, que nem tão boa é, amarguinha, tem o gosto do talo, mas a combinação perfeita.
Cucina povera da Itália, servida num ambiente elegante e com muito calor humano. Qualquer pobretão se sente bem num castelo se for tratado como castelão. Vale a pena ir ao Fasano, é um jeito de domar as nossas caipirices e ver que podemos sobreviver no mais luxuoso dos luxos, quando ele (o luxo) é funcional e belo. O preço não é maior do que o de outros restaurantes caros. E o tratamento dá saudade.
Garçons, maîtres e sommelier são tão elegantes que acabam te fazendo elegante também. (Estou falando isto mais por mim, que quando tenho que ir a um lugar novo e que tem fama de muito bom, fico resmungando que não tenho roupa, que preciso ir ao cabeleireiro, que diabos, porque todo restaurante bom não é no bairro, essas bobagens.)
Vocês, leitores, já devem estar chateados com minhas histórias de velhice, velhice pela qual não têm culpa nenhuma. Mas tenho recebido e-mails agradecidos de mulheres de cabelos brancos e suas dificuldades. Uma delas, para mim, é conseguir beber num restaurante. Se peço um uísque, já se adiantam: "Pois não, bem fraquinho, com bastante gelo". Ai, ai, ai..
No Fasano, eu havia esquecido meu remédio, aqueles de enganar o fígado, e pedi ao barman se não tinha pelo menos um Pepsamar, que ele interpretou, com razão, como uma bebida e fez cara de paisagem. Expliquei que não, que queria alguma coisa para o fígado, e ele logo me ofereceu um suquinho sem álcool, uma coisinha leve...
Vi que estava na hora de começar pelo começo. O senhor não está enteindeindo... Um Jack Daniel's, duplo, straight como o de um velho caubói. (Porque é engraçado que velhos caquéticos podem pedir qualquer bebida e ninguém estranha.)
Acho que a geração das avós cresceu achando que beber era feio, nada feminino. Meu pai bebia de tudo, principalmente uísque, e me deixava experimentar, sem medo de criar uma filha alcoólatra. E não criou mesmo. Bom, não fugindo do assunto do bar do Fasano, um dos barman, André, se condoeu de mim e funcionou como uma farmácia.
Perguntou de quantos miligramas era o meu comprimido, saiu pelo hotel e voltou com dois de 20 ml e com a explicação: "O senhor Rogério Fasano toma de 20 ml, logo trouxe dois dos dele". Obrigada, vou devolver uma caixinha inteira e prometo nunca mais falar de velhas.


ninahorta@uol.com.br

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