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LITERATURA
Carlos Nejar incorpora a confluência rebelde
ADRIANO ESPÍNOLA
especial para a Folha
No prólogo ao "Jardim dos Caminhos que se Bifurcam", Jorge
Luis Borges adverte-nos do desvario laborioso e empobrecedor
que é o de explanar em 500 páginas uma idéia cuja exposição oral
cabe em poucos minutos. Melhor
procedimento, diz ele, é o de simular que esses livros já existem.
Essa advertência vem a propósito da obra de Carlos Nejar, também tradutor de Borges. Entretanto é preciso discordar da ironia do bruxo argentino. Explanar
em minutos a vasta produção literária do poeta gaúcho é, por certo,
redutor; tampouco podemos simular a existência de seus livros,
muitos dos quais já pertencem à
história da literatura brasileira.
Mas talvez nos seja possível discorrer sobre sua criação baseados
em uma idéia: trata-se de um escritor em que se manifesta uma
espécie de confluência rebelde. O
que isso quer dizer? Se o poeta incorpora as observações do mundo exterior, sabe ao mesmo tempo erodir as referências mais diretas com intensos golpes metafóricos e incisões rítmicas, buscando
o canto que o prende à árvore do
mundo e dela o desprende. Essa
estratégia atravessa toda a sua
obra, não raro desdobrada em
alegorias da condição humana.
Com isso, faz com que a palavra
se torne acesa e vigorosa, situada
entre a intervenção e a invenção,
como salientamos em prefácio a
"Os Dias pelos Dias" (97), em que
Nejar reúne três de seus mais importantes livros: "Canga" (71), "O
Poço do Calabouço" (74) e "Árvore do Mundo" (77).
Neles, a voz do poeta tem qualquer coisa de indignação feroz,
friccionada entre a esperança da
liberdade e o desespero. Ou entre
a denúncia e a recriação verbal,
ambas vibrantes.
De outro lado, o escritor sabe
congregar as mais diversas formas para dissolvê-las em gêneros
diferentes. E aí encontramos o
dramaturgo ("Teatro em Versos",
98), o romancista ("Um Certo
Jacques Netan", 91; "O Túnel Perfeito", 93; "Carta aos Loucos", 98)
e o ensaísta ("A Chama É um Fogo Úmido", 94). Em todas essas
incursões, identificamos o habitante da linguagem e de seu núcleo poético. Eduardo Portella diz
que ele é "um poeta da poesia,
mais que do verso".
Mesmo no interior da poesia,
enquanto gênero, a inquietação
leva-o a transitar do lírico ("A Casa dos Arreios", 73; "Amar, a Mais
Alta Constelação", 91; "Elza dos
Pássaros", 93) ao épico ("Um País
o Coração", 80; "Simón Vento
Bolívar", 93) e do épico ao dramático, em movimento circular. A
prova está em "Os Viventes" (79),
verdadeira galeria de tipos da
nossa conturbada humanidade.
Surgindo, em 1960, com "Sélesis", Carlos Nejar soube marcar
um espaço único na literatura nacional. Porque, em síntese, nela
ocorre a confluência inconformada das percepções histórica e mítica, participante e transcendente,
para torná-la a um só tempo testemunha de nossa época e reafirmação superlativa da imaginação
transfiguradora.
Adriano Espínola, 47, é poeta e professor
da Universidade Federal do Ceará. É autor de
"Em Trânsito" (1997) e "Beira-Sol" (1998).
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