São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2000

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"BALZAC E A COSTUREIRINHA CHINESA"

Obra exalta os "subversivos" Balzac e Victor Hugo

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma valise cheia de livros de autores ocidentais, como Honoré de Balzac e Victor Hugo, muda a vida de três jovens chineses cercados pela turbulenta e intolerante Revolução Cultural de Mao Tse-tung, o momento de maior radicalismo do regime maoísta. Romances estrangeiros, rezava o ideário daquela época na China, correspondiam geralmente a material burguês, que se refugiava na ficção para evitar "os problemas reais que o comunismo iria resolver".
No livro "Balzac e a Costureirinha Chinesa", Dai Sijie, um chinês radicado na França, monta a saga de dois jovens enviados para a "reeducação" com os camponeses no interior do país. Esses filhos de intelectuais repetem o destino de milhões de chineses, e a trama se desenrola ao mostrar o convívio entre "reeducadores" e "aprendizes".
Mao Tse-tung, que comandou a chegada do comunismo ao poder em 1949, iniciou, 17 anos depois, um dos momentos de maior fervor e fanatismo revolucionário deste século. A fim de recuperar a popularidade perdida por conta de fracassos na economia e se livrar de rivais de disputas no interior do Partido Comunista, criou a infame Revolução Cultural. O período, que foi até 1976, caracterizou-se por um religioso culto à personalidade de Mao e radicalização de suas teses ideológicas.
Guardas vermelhos brandiam o "Livro Vermelho", espécie de bíblia escrita por Mao. Vistos com desconfiança, intelectuais e seus filhos acabaram nos confins da China, enviados para a "reeducação". Sijie, nascido em 54, foi um desses. Ficou na província de Sichuan, ao lado do Tibete, entre 71 e 74, experiência que inspirou seu livro, um painel vivo e ágil de um dos momentos mais conturbados da história moderna chinesa.
O narrador e seu amigo Luo despencam num vilarejo para serem "reeducados" sob o peso do trabalho agrícola e dos esforços exigidos pela extração de minérios. Encontram uma mala com livros de Balzac, Hugo, Charles Dickens e outros, que se transformam em valiosa janela para o mundo exterior. Luo se apaixona pela jovem costureira da aldeia. Conta a ela histórias proibidas de autores ocidentais. Influenciada por Balzac, a camponesa se livra de imposições do "código de conduta" e evidencia o "teor subversivo" dos livros ocidentais.
Em seu primeiro romance, o cineasta Dai Sijie participa da onda atual de intelectuais chineses que mergulham em estudos sobre os dez anos de duração da Revolução Cultural, descritos pelo próprio PC como a "década perdida".
O fundamentalismo maoísta, refratário a influências externas, isolou o país, fechou escolas e universidades na campanha antiintelectuais e trouxe à China uma turbulência política que nocauteou a economia. Hoje, o Partido Comunista já desistiu de deificar Mao. Ele continua a ser reverenciado, mas a ideologia oficial admite que a Revolução Cultural foi o seu principal erro. Foi quando apresentou Balzac à costureirinha.



Balzac e a Costureirinha Chinesa
Ótimo
Autor: Dai Sijie
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 16, em média (154 págs.)


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