São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

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"Gestual do rock me causa desconforto", diz Murphy

COLUNISTA DA FOLHA

A seguir, a entrevista por e-mail com James Murphy, do LCD Soundsystem, que falou à Folha sobre o aguardado primeiro disco do grupo, música na internet e a explosão do cenário rock-dance de Nova York. (LR)
 

Folha - Você tem sua banda, o LCD Soundsystem, e a gravadora DFA Records, "entidades" que foram o motor dessa movimentação de Nova York que nos últimos dois anos resultou em muitas e boas bandas novas. O caldo rendeu o estilo punk-funk, que caminhou em paralelo com a cena do electroclash e a vibração roqueira capitaneada pelos Strokes. Como você analisa essa efervescência do som nova-iorquino destes últimos tempos e como está inserido nela?
James Murphy -
Isso foi dessas coisas orgânicas que aconteceram em Nova York e que balançaram a cidade. E que hoje está ocorrendo em Berlim. Foi intenso, divertido, vivo. Essa história do rock da turma dos Strokes, Yeah Yeah Yeahs aconteceu muito fora da idéia de música na qual estávamos envolvidos. Sabíamos que ela existia, que as bandas estavam por ali, que havia essas festas de electro. Mas tínhamos cenas distintas, cada um na sua.
Na verdade, quando o que havia eram essas festinhas de rock, a DFA começou a dar as suas, que basicamente eram feitas para fazer as pessoas dançarem. Movidas a house e tecno, em bares em que você poderia ouvir rock também. E daí, depois, todas as revistas e jornais falaram das cenas de Nova York e tudo ficou tão intenso que até hoje não sei qual papel direto tivemos na coisa toda.

Folha - E como está a música em Nova York, hoje?
Murphy -
Ficou meio tediosa, agora. Eu ouço os mesmos DJs tocarem os mesmos discos. As boas coisas estão todas separadas, novamente. Não é mais uma "cena única". Há tantas "roubadas" que às vezes você até se conforma em ser arrastado para o rock estudantil, no qual o padrão é ser incrivelmente "entediante" e colegial. Os anos 90 estão de volta, eu posso senti-los.

Folha - Em dois anos você lançou alguns singles bem conceituados pelo LCD e também produziu discos dos outros. O que você espera para lançar o primeiro disco do LCD?
Murphy -
O disco sai em janeiro, no próximo lote de lançamentos da DFA. Estou esperando reunir para esse disco de estréia todos os elementos que vão me fazer orgulhoso de colocar um CD na loja, porque lançar um álbum é bem diferente de lançar singles. A idéia é que músicas como "Losing My Edge" e "Yeah" não estejam no CD, porque não quero fingir que essas músicas são novas, quando não são. Mas o álbum do LCD Soundsystem virá com dois CDs, um só para os singles.

Folha - Como você descreveria a performance ao vivo do LCD?
Murphy -
Basicamente, somos cinco pessoas tentando tocar o melhor que podemos, como uma banda verdadeira. Tentamos ouvir o que cada um está tocando e fazer disso conjuntamente algo muito barulhento. Outra definição seria que a banda ao vivo é um cara grande com uma camiseta chamativa que toca com quatro amigos que precisam agüentar esse cara grande apontar para eles o tempo todo, pedindo para tocar assim ou assado.

Folha - Neste ano o LCD Soundsystem saiu do underground nova-iorquino para tocar em grandes festivais europeus. Como você vê essa "internacionalização" de sua banda?
Murphy -
Vejo de um modo estranho. Eu não consigo enxergar nosso lugar na música pop de hoje. É claro para mim que somos diferentes da maioria das bandas que tocam nesses lugares. Eles fazem coisa que não fazemos. Não que eu ache errado o que eles fazem. Simplesmente não atuamos, nos comportamos ou tocamos do mesmo modo. Todo esse gestual do rock me causa um desconforto muito grande.

Folha - Como músico e produtor, como você vê o fenômeno da troca gratuita de música pela internet?
Murphy -
Eu não me importo. Posso até dizer que isso é uma grande coisa, porque a música de muitos artistas pode chegar a vários ouvidos sem passar pelo esquema vicioso mantido pelas majors. Mas, como a maioria da música feita é muito ruim, quem se importa? Acho que o aumento de downloads tem a ver com o fato de os grandes artistas virarem estrelas, se acomodarem com o dinheiro que ganham e se tornarem chatos. Param de fazer música boa, já que estão com a vida feita.
Com a possível exceção do Outkast, quais outros artistas você vê que atingem o sucesso e continuam fazendo grandes músicas, desafiadoras, inteligentes? A maioria dos álbuns tem duas canções boas e o resto é lixo para ocupar espaço. Quem quer comprar um disco assim, se em minutos pode baixar as duas músicas boas que o CD tem? A pressão agora está sobre os artistas, que precisam se virar cada vez mais para fazer algo bom e verdadeiro e novo o bastante para fazer as pessoas tirarem a bunda da frente do computador e saírem para comprar o disco.


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